Ele queria estar aqui hoje. Cercado pelos que amou. Chegou mesmo a nos pedir que o ajudássemos a chegar vivo ao dia 16 de maio de 2011. A única contribuição que poderíamos lhe dar era nossa demonstração constante de afeto e companheirismo. Era um desejo puro repleto de alegria de viver.
Mas todos nós sabíamos, e ele mais do que nós, que essas decisões não nos pertencem. De qualquer forma, ele costumava convidar pessoas para comemorarem com ele esta data. Fez o que lhe foi possível e foi bem-aventurado, pois, quando a sua hora bateu, ele estava em pleno vôo de felicidade, longe da frieza dos internamentos em hospitais. Foi-se subitamente, acredito que sem sofrimento, durante o sono.
Dizia que a simples presença de champagne ou espumante já tornava agradável qualquer ambiente. Aprendeu esse bom humor vivendo. A infância em Diamantina e em Belo Horizonte, a perda prematura da mãe, a luta, pelo estudo, contra a timidez. Jovem professor de brasileiros como Carlos Castello Branco, entrou para o serviço da Justiça e a ele se entregou de corpo e alma. Eram tempos de salários parcos e que atrasavam. Os dez filhos se acostumaram com sua dedicação ao trabalho, seu esforço para nos educar e o senso de justiça que nos marcou indelevelmente.
Contou com a companhia, por 64 anos, de uma moça, Yolanda, que conheceu um dia na noite da praça central de Pitangui. Sua insegurança talvez não nos tornasse possíveis: não fora um empurrão de um amigo, talvez ele nunca se declarasse à nossa mãe. É o que conto em um musical, que eu e o Tavinho Moura estamos preparando: “Ele me olha de um jeito/ que me dá mil arrepios não sabia que as moças/ sentiam esse tal frio/ mas ele me olha de um jeito/ como o sol que traz o dia se o seu jeito é tão sério/ seus olhos não têm limite que força que tem um olhar/ de um homem olhando moça com amor e com carinho/ com entrega e sem troça que força tem esse olhar/ que me pede e me ordena que me suplica o que quero / lhe dar para toda a vida?”
Ele não está presente, mas está. Não só no retrato que nos observa na sala de jantar. È que está incorporado em cada um de nós. Por isso é que nos reunimos, na data em que faria cem anos, para comemorar a sua vida e o legado que nos deixou. Orações, para recordar o cristão que sempre foi, o distribuidor de bondade, amor e justiça. Cerimônia simples, familiar. A seguir, espumantes estouram e vinhos aparecem ao lado das cervejas. Para a festa de alguém que amou tanto a vida, descartamos a tristeza e vamos no rumo da alegria. Vivo, vivemos, o pai e sua presença.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em maio de 2011.
Amei o texto! Sinto um amor imenso pelo meu pai e quando vejo algo escrito assim, tão simples e cheio de carinho, meu amor aumenta mais! Penso que deve ser assim mesmo a vida, comemorar e lembrar das pessoas que são importantes na nossa vida, mesmo que já tenham partido pra fazer outras viagens, com alegria!