O governo versus ele mesmo

Com quantas assinaturas se faz uma CPI ? Todo o dilema existencial da oposição frente às trapalhadas do governo parece resumir-se a essa questão.

Algum dia, os catadores de assinaturas vão pegar essa turma da base aliada de mau humor e conseguir finalmente completar o número regimental de assinaturas para instalar a sua CPIzinha.

Com isso, a oposição não contribuirá em nada para ajudar a solucionar os problemas do País, mas alguns meses de espetáculo estarão garantidos.

Criar uma CPI requer muito suor, muito esforço físico, mas muito menos esforço mental do que apresentar, a sério, alternativas factíveis e bem elaboradas às políticas que o governo não tem ou não está conseguindo aplicar por falta de coordenação motora de sua engrenagem política.

Entrando em seu oitavo mês de existência, o governo Dilma navega em mares agitados e começa a recolher os primeiros resultados de seu noviciado: seu nível de aprovação e de popularidade está caindo, coisa impensável no governo do demiurgo Lula, blindado por um inexpugnável – e a bem da verdade inexplicável – efeito teflon.

Acontece então um fenômeno raro em democracias modernas: na falta de uma oposição consistente e vigorosa, o governo tropeça nas próprias pernas e começa a enredar-se no seu próprio labirinto. Ele é a sua própria oposição.

A poeira levantada pela sucessão de “faxinas” no Ministério dos Transportes e as investidas ensaiadas na Agricultura e Turismo começaram a provocar engasgos e tosse na base aliada.

A portentosa base de apoio ao governo na Câmara e no Senado começou a engripar. Votações importantes para o governo são adiadas, líderes e coordenadores são obrigados a sair administrando muxoxos, ameaças e caras de poucos amigos dos aliados.

A sentença dos sábios é essa: Dilma é um quadro técnico, inflexível politicamente, intolerante com os desvios, e não consegue administrar a feira livre fisiológica que forma a sua base de apoio.

Essa mesma base que Lula sabia tão bem adular e azeitar com tapinhas nas costas, concessões, agrados e um generoso “laissez faire”.

O diagnóstico dos ortodoxos é que sem Lula a coisa não anda. Ele mesmo já teria pedido à sua criatura para acalmar o seu ímpeto limpa-trilhos e a aconselhado a usar luvas de pelica com o mais explícito fiador de seu governo, o PMDB e seu montão de cargos e votos.

Noticia-se que José Dirceu já teria manifestado aos seus confidentes de corredor o temor de que Dilma não consiga chegar ao final de seu mandato (a vocação golpista que certa esquerda atribui à imprensa, como se vê, tem raízes bem sólidas dentro da própria casa).

Exagera-se, porque o exagero convém a projetos de poder pouco transparentes. A tal de “governabilidade”, arranjada sobre bases fisiológicas, poderá sofrer abalos e percalços episódicos e ocasionais, mas nada que tire o país dos trilhos institucionais.

E ao fim do governo Dilma, tudo vai estar pronto para que chamem Lula de volta. Afinal, vão dizer que alguém precisa colocar ordem nessa bagunça.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 12/8/2011.

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