Na mesa, entre amigos, provocado por um comentário meu, ele conta suas peripécias em seu tempo de aluno. Narra com tanta clareza que parece que os acontecimentos são recentes. As traquinagens infantis e juvenis, fatos que se passaram nos tempos da calça curta e da inocência, saem de sua boca com um humor raro, o que nele é comum.
Moleque travesso, azucrinou a vida de professores que tiveram, se inteligentes e atentos, prazer com suas travessuras. Mas alguns o castigaram severamente.
Nunca fui professor, admirei muitos e joguei no limbo outros. Os bons, os que acrescentam conhecimento aos que estão ali para aprender, fazem milagres e impulsionam a vida de quem lhes presta atenção. O magistério é uma tarefa pedregosa. Muitos nada têm a ensinar e muito menos têm paciência com os joaõzinhos da vida.
Existem estudantes, é necessário que se lembre, que mais esculhambam do que se interessam pelo que se fala e se faz nas salas de aula. O interessante, porém, é que não apenas os dedicados e estudiosos crescem ao longo dos anos. Os bagunceiros criativos acabam seguindo o mesmo caminho. Há um momento em que, da rebeldia, nascem vitoriosos.
Ele pôs tachinhas de sapateiro na cadeira de um professor que lhe dera bomba no ano anterior. Quase diariamente era castigado com permanência, depois das aulas, na sala em que se copiavam páginas e mais páginas de textos irrelevantes. Fazia e era punido.
Cada um da mesa passou por situações semelhantes. Eu mesmo tive um colega que padeceu sob a neurose de um padre alemão que, ao iniciar suas aulas de francês, o punia preventivamente. “ Mas eu não fiz nada, seu Padre”, ele dizia. E o mestre (?) retrucava: “mas vai fazer”. Já outro padre e professor, de francês e de ciências, extraordinário no ensino e na bondade, se derramava em lágrimas, incapaz de controlar a horda de adolescentes a berrar e a não respeitá-lo.
Mas agora, há dezoito anos, o meu amigo é professor. Humor finíssimo e reações rápidas, ele nos fala sobre o outro lado da moeda. Conhece as manhas da vida e dos alunos, já que foi um, rebelde e, principalmente, inimigo de qualquer injustiça. Mas, nesse momento, ele nos conta suas experiências de professor. Conversando com ele fico imaginando como devem ser deliciosas, esclarecedoras e bem humoradas as suas lições.
Ele reage com argúcia ferina às provocações que recebe, é o que nos passa. Nunca cometeria nenhuma violência. Eu penso que há uma contradição entre o moleque que ele foi e o profissional que ele é. E lhe faço uma pergunta: “e se você fosse seu aluno, se você fosse seu professor?” Ele me olhou e sorriu. Mas o Magister nada disse.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em junho de 2011.