1) Não há nenhum motivo para que a imprensa não noticie e não comente o lançamento do livro Privataria Tucana , de Amaury Ribeiro Júnior, como não havia para que não noticiasse ou comentasse o livro O Chefe, de Ivo Patarra.
Não há motivo, portanto, para que só a publicação de notícia sobre um deles seja exigida, enquanto o outro continua ignorado.
2) Uma das informações de maior impacto do livro é a acusação de que Ricardo Sérgio de Oliveira, homem forte das privatizações, ex-tesoureiro da campanha de FHC , e ligado a José Serra, teria recebido propina de US$ 15 milhões de Benjamin Steinbruch para facilitar a vitória de seu consórcio no leilão da Vale . A acusação foi publicada em maio de 2002 pela revista Veja, paradoxalmente a mesma que é acusada hoje de falta de credibilidade pelas acusações contra ex-ministros demitidos pelo atual governo.
A informação sobre suposta propina que teria sido paga por Carlos Jereissatti na formação do consórcio das teles que arrematou a Telemar também foi publicada pela Veja e por vários jornais e revistas. O que comprova que a imprensa sempre cumpriu o seu papel, e só passou a ser contestada e chamada de “golpista” quando o protagonista da noticia era alguém do partido errado.
3) As considerações do autor do livro sobre todo o processo de privatização representam as razões de um dos lados do debate ideológico que contrapõe em todo o mundo o dirigismo estatal ao modelo liberal de Estado mínimo. O próprio uso da palavra “privataria” reflete uma opção ideológica.
Não há no livro referência à sentença do juiz da 17ª Vara Federal sobre a licitude do processo de privatização da Telebrás no caso da denúncia do Ministério Público Federal contra Luiz Carlos Mendonça de Barros e outros no famoso episódio do “limite da irresponsabilidade”. O juiz absolveu os acusados, dizendo que eles defenderam o interesse do Estado (estimulando a criação de um consórcio que aumentaria o preço mínimo do leilão) e não se locupletaram ou beneficiaram pessoalmente de suas ações.
4) O emaranhado de documentos copiados dos arquivos públicos da Junta Comercial, mostrando inextrincáveis criações, extinções e multiplicações de empresas, mudanças de razão social, saídas e entradas de sócios, mudanças de cargos, movimentações enigmáticas em paraísos fiscais, dão ao livro a solene impressão de uma farta “documentação”, mas faltou um editor ou um especialista em finanças para explicar o que significa cada uma dessas coisas e qual é a relação entre elas.
Ficamos sabendo que José Serra tem uma filha que era sócia de Verônica Dantas, irmã do famigerado Daniel (o que em si não chega a constituir crime) e que tem um “primo político” (casado com uma prima) e um genro aparentemente muito ativos em tenebrosas transações. Todos eles, supostamente, abriam, fechavam e multiplicavam empresas para lavar dinheiro e internalizá-lo legalmente no País.
Mas de onde vinha esse dinheiro ? Há uma vasta coleção de divagações, suposições, insinuações, ilações, que levam a uma conclusão que quer parecer óbvia porém não é comprovada: seria dinheiro desviado das privatizações. Não há prova nem indício do chamado “crime antecedente”, que a lei exige para a tipificação do delito da lavagem de dinheiro.
O livro virou uma peça da guerrilha política que ocorre em algumas rotas do ‘bas fond” das redes sociais e, até prova em contrário, está destinado a provocar mais calor do que luz.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 16/12/2011.
Por falar em calor e luz, você sabe que a menor das fagulhas já causou estardalhaços na mídia; várias acusações de corrupção sem prova serviram para dar início a investigações; e não há nada de errado nisso. Portanto, espanta que um livro apresentando documentos que, se não provam o crime, reforçam suspeitas gravíssimas que, por si, devem ser investigadas. É claro que não vamos encontrar provas definitivas no livro, esse é um trabalho da polícia. Para isso é preciso que a investigação seja cobrada, que as informações livro sejam divulgadas. Não se tem visto nada nesse sentido na velha imprensa. Nada, nada justifica esse silêncio.