Dilma falou ao mundo abrindo a Assembléia Geral da ONU. Embora a tradição mande, desde 1945, que a assembléia seja aberta pelo Brasil, a presença da presidente causou um certo frisson nas almas simples que freqüentam as mídias sociais.
Li muitos posts marcados por uma certa euforia ingênua, meio no estilo daquele sentimento da “pátria de chuteiras” tão comum nas copas do Mundo, pelo fato, inclusive, de ser a primeira mulher a abrir uma Assembléia Geral na história da organização.
A euforia é compreensível, embora a simbologia do fato esteja absolutamente atrelada ao cruzamento da coincidência de que, pela primeira vez, o país a quem cabe, por tradição, abrir a assembléia, esteja sendo dirigido ocasionalmente por uma mulher.
Portanto, é um ineditismo atrelado ao outro, o que, num mundo onde as mulheres têm alcançado cada vez mais posições de comando, não deveria chegar a surpreender. O fato é que Dilma não estava lá por ser mulher, mas por ser presidente do Brasil.
Dado que cada vez menos a diferença de gênero tem importância determinante na política global, o que há de importante a discutir é o conteúdo do discurso.
A repercussão internacional foi pequena ( Obama falou no mesmo dia sobre o conflito Israel-Palestina e isso ajudou a apagar os ecos internacionais que o discurso pudesse eventualmente provocar), muito embora a parte mais forte do discurso tenha sido dirigida aos países ricos.
Dilma disse: “O desafio provocado pela crise é substituir teorias defasadas de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo. Enquanto muitos governos se encolhem, a fase do desemprego se amplia”. Uma crítica tão ampla,geral e irrestrita que acaba sendo derretida por sua própria generalidade.
De qualquer forma, ao contrário da jactância de seu antecessor, que julgava o Brasil imune às influências das crises externas, Dilma explicitou que, com relação a elas, “nossa capacidade de resistência não é ilimitada”. (Que o diga, aliás, a previsão de crescimento entre 3,7 e 3,5% que está sendo feita para o País em 2011.)
Com relação à questão palestina, Dilma reafirmou a decisão óbvia já sacramentada da política externa dos últimos três governos: o Brasil é a favor da criação de um Estado palestino, mas sem ignorar os “legítimos anseios de Israel por segurança”.
O discurso de Dilma espalhou, aqui e ali, bondades tão genéricas quanto inexequíveis. Defendeu que a China flexibilize sua política cambial e atacou o protecionismo “e todas as formas de manipulação comercial” justamente na semana em que seu governo aumentou o IPI para os carros importados.
Se o discurso merece ser chamado de “histórico” é pelo discutível fato de ter sido pronunciado por uma mulher, e não pela reafirmação (menos histérica e mais sóbria, reconheça-se) dos princípios da diplomacia brasileira dos últimos três governos ou por alguma proposta nova para melhorar a inserção do Brasil no mundo.
O que mudou, não só no tom do discurso, mas também nas declarações feitas por Dilma em fóruns paralelos, defendendo a liberdade de imprensa e a luta contra a corrupção, foi o estilo: a sobriedade e a ponderação substituíram o espalhafato, o protagonismo e o senso de espetáculo de seu antecessor.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 23/9/2011.