“Minha base é feita de homens de bem”.
Não é uma ironia que alguns dias depois de pronunciar a frase no “Fantástico” a presidente da República seja obrigada a dar o bilhete azul a um ministro que passou sete anos gastando dinheiro público com uma governanta privada?
Mais do que uma ironia, uma imprudência.
Afinal de contas, quem obrigou a presidente a assinar o ato de nomeação de Pedro Novais para o Ministério do Turismo logo depois de a imprensa – sempre ela, essa devassa – denunciar que ele pagou uma festa num motel com dinheiro público?
Ele devolveu o dinheiro e com isso se foi o pecado. Estranha maneira de higienizar uma folha corrida.
O respeito de Dilma ao compromisso de fidelidade ao PMDB, partido mais influente e mais poderoso da base aliada, deveria ter, pelo menos, algumas fronteiras éticas.
Se elas fossem respeitadas, dadas as evidências, a presidente teria se poupado do desgaste da demissão do seu quinto ministro em nove meses de governo – provavelmente um recorde mundial em regimes não parlamentaristas.
Embora ela relute em assumir a classificação de “faxina” que a opinião pública, com sua tendência simplificadora, deu às demissões em série que ela praticou em seu governo, não se pode deixar de reconhecer que elas acabam revertendo a seu favor, aumentando a zona de simpatia e de tácito apoio em certos setores da opinião pública.
Dilma está num dilema: sente-se impelida a renegar a “faxina”, porque ela implica no reconhecimento – ou pior ainda, na confissão – de que recebeu uma herança maldita do seu antecessor e criador e está tentando se livrar dela.
Mas, ao mesmo tempo, não pode deixar de praticá-la, sob pena de paralisar seu governo, que está apenas no começo, sob o peso de um passivo ético capaz de atravancar sua funcionalidade operacional e criar um sério problema de governabilidade.
Ao entregar de porteira fechada alguns ministérios e zonas de influência aos partidos da base aliada, e especialmente a alguns condestáveis como José Sarney, que colocou no Ministério do Turismo outro aliado seu, com a naturalidade de um técnico que tira um jogador do campo por mau desempenho e substitui por outro que estava no banco, a presidente está correndo o sério risco de ter que continuar a praticar indefinidamente o seu “strike” ministerial.
Já estamos nos acostumando a colocar toda a culpa desses curto circuitos éticos no tal de “presidencialismo de coalizão”, que obriga os candidatos que vencem as eleições majoritárias a negociar com partidos minoritários para compor maiorias parlamentares que tornem possível a tal de governabilidade.
O problema é que esses arranjos se fazem não em torno de idéias ou de princípios programáticos, mas em torno da distribuição de cargos, favores e benesses.
O problema não está tanto no “presidencialismo de coalizão”, mas na naturalidade com que aceitamos o rebaixamento dos padrões éticos, como se a falta de vergonha fosse uma conseqüência e uma fatalidade do jogo democrático.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 16/9/2011.