Conta torrencial

Construir ou reformar durante a estação de chuvas nunca foi uma boa idéia. É algo que só se faz em casos inadiáveis, emergentes. Suas excelências com assento na Câmara dos Deputados parecem não saber. É o que indica a autorização que deram para a consulta popular sobre o fatiamento do Pará em três estados: Pará, Carajás e Tapajós, esse último ainda dependente de nova votação no Senado.

Se na bonança o tema já é controverso, com nuvens cinzentas de inflação, necessidade de controle de gastos e cortes nas contas públicas, deveria pelo menos ter suscitado algum debate.

Que nada. A Câmara não se deu ao luxo de discutir. Aprovou por voto simbólico, em uma sessão com menos de 80 deputados, algo na contramão da economia que o país precisa fazer; que muda o mapa e aprofunda os absurdos na já tão discrepante representação federativa.

Os gastos são gigantescos. Cálculos do Ipea, órgão oficial do governo, apontam que um novo Estado custa em torno de R$ 830 milhões por ano. Juntos, Carajás e Tapajós sugariam mais de R$ 1,6 bi.

Isso para o aparato mínimo – sede de governo, secretarias, Assembléia, tribunais de Justiça, do Trabalho, Eleitoral e Federal, senadores, deputados federais. Recursos que, se existissem, poderiam custear a carente infraestrutura local, saneamento, educação, saúde.

Se aprovados, Carajás e Tapajós terão seis senadores e 16 deputados. O Pará seria reduzido a um terço de seu território, mas perderia só três representantes, restando-lhe 14. Na soma, os três estados juntos passariam a ter 30 deputados federais sem aumentar um habitante sequer.

Um solavanco a mais no injusto critério de representatividade que vigora desde o Pacote de Abril, imposto pelo general Ernesto Geisel em 1977, em que um cidadão de Roraima equivale a 11,6 paulistas ou 7,3 mineiros.

Se a moda pega, um eventual novo Gurguéia e Piauí juntos passariam dos atuais 10 para 18 parlamentares. O Maranhão dividido pularia dos atuais 17 para 21 deputados. O artifício faz brilhar os olhos dos políticos regionais – e joga uma pá de cal no bambo equilíbrio federativo.

O deputado Roberto Freire (PPS-SP) vê a representatividade como problema. Mas crê ser o único. Defensor do Estado de Carajás desde a Constituinte, diz que os exemplos de Mato Grosso do Sul e Tocantins provam que o desenvolvimento dessas regiões compensou os custos.

“Novos estados reforçam o poder e a cidadania local; sem isso não se ocupa a República”, argumenta.

Pode até ser. Mas criá-los em condições meteorológicas adversas é brincar com o resto do país, que estará longe do plebiscito mas terá de pagar a conta.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/5/2011.

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