Agendas e dentifrícios

Vez ou outra, descubro não ser nada fácil envelhecer em um mundo cada vez mais novo.

Tudo se transformando, algumas coisas sumindo, ó, nunca mais.

Sinto falta de mata borrão, mas quem manda insistir, caneta tinteiro?

A vida era mais simples com tubos de pasta dental – dentifrício, quem se lembra? – com tampas de enroscar, nada sobrando pelas bordas.

Tampas modernas, de pressão, não combinam comigo. Brigam. Eu as pressiono, elas me pressionam. Pressão pra lá, pra cá, sempre perco.

Não são só as tampas. Os tubos de dentifrício também já viveram – e nos deixaram viver – dias melhores. À medida em que iam sendo usados, eram enrolados, facilitando o cumprimento do ciclo natural das coisas, nascer, viver, morrer. Quando morriam, fininhos, secos, esmagados contra a tampa, nada sobrava. Economia louvável, limpeza indiscutível.

Hoje, valha-me Deus. Resistindo a qualquer tentativa de pressão, tubo nenhum do mundo se enrola, nem se enrosca. Por mais que se faça, lá estão eles, intactos, inteiros, cheios de si. Não se dobram. Pior. Rebeldes, se negam. Quando chegam ao fim, por mais pressionados, a pasta lá contida ameaça sair, e fica na ameaça. Teimosa, recua. Esconde-esconde.

Há pouco tempo, ao perder o celular, lá se foram os números de telefones cuidadosamente guardados. Telefones de filhos, parentes, amigos, médicos, dentistas, livrarias, editoras, farmácias, consertadores de computador, ah!

Como tristeza pouca é bobagem – pra não dizer desgraça, que desgraça é outra coisa –, perdi também a agenda de papel. Lá se foram os mesmos endereços. Aliás, mais. Mais antiga, lá estavam também números de marceneiros, pedreiros, zeladores, porteiros, padarias, pizzarias, academias, ah!

Como sei que – nem leva muito tempo –, vou tornar a perder o celular, achei melhor comprar outra agenda de papel. Mais garantido, se garantias existem.

Compro logo, amanhã cedinho, pensei. Papelaria do outro lado da rua, nada mais fácil. Chegar e comprar.

Dez horas, loja aberta, quem diz? Nem meia agenda. Quem sabe, na quadra seguinte, papelaria maior? Nada. Supermercado? Nem sombra. Rua Augusta, Av. Paulista? Internet?

Juro, procurei em cada canto, esquina, beco.

Às vezes, agendas mínimas, insuficientes até para números de inimigos. Ou grandes, para secretárias e suas mesas.

Eu procurava uma agenda pequena, que coubesse na bolsa ou no bolso, mas com páginas que coubessem filhos, parentes, amigos, ah!

— Ninguém compra isso mais –, me disse um rapaz de olhos azuis, rosto necessitado de sol.

Nem precisava. Eu sabia, desde a primeira tentativa.

Me lembrei de prateleiras de antigas papelarias, todas povoadas por agendas de bolsa. Ou bolso. Caras, baratas, simples, sofisticadas, raquíticas, gorduchas. Me lembrei. Todo mundo tinha, comprava, usava.

Na Rua da Consolação, talvez influenciada pelo nome, tentei me enganar.

Perguntei se não iria chegar, podia voltar, problema nenhum, morava perto, mesmo que não morasse, adorava andar a pé, poderia deixar o telefone. Só que tinha de ser daquele jeito, agenda pequena, muitas páginas, muitos nomes, se não fosse assim não servia, iria deixar o telefone.

O rapaz, olhos escuros, rosto amigo do sol, me contemplou longamente. Não olhou, contemplou:

— Você tá querendo tanto isso pra quê? Não tem celular?

Contemplei-o de volta, longamente. E resisti à tentação de saber sua opinião sobre as modernas pastas dentais e suas respectivas tampas.

Esta crônica foi originalmente publicada no primeiroprograma.

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