Trabalhei com Moacyr Scliar muitas vezes, desde os anos oitenta, na Bienal Nestlé de Literatura, coordenada pelo escritor Ricardo Ramos, amigo pródigo em conhecimentos, amizades e afetos.
Mais tarde, a partir dos anos noventa, na Editora Atual, em uma assessoria editorial.
Meu trabalho – agradável –, consistia em organizar coleções, convidar autores, discutir temas, prazos, adiantamentos, receber e ler originais.
Tudo acertado, os textos eram enviados ao editor, Henrique Félix, que se comunicava com o autor.
A partir daí, eu só veria/leria aquele texto quando o livro estivesse pronto. Momento de surpresa e de emoção, sempre.
Com Moacyr Scliar, foram muitas conversas. Uma delas, em 2001, resultou em “Uma história só pra mim”, livro dedicado ao público juvenil.
Ao ver o livro pronto, tive uma surpresa e uma emoção especiais. Ele o havia dedicado a duas pessoas. A mim, pela idéia. Ao filho – Roberto –, pelo título.
Ontem, 27 de fevereiro, com lágrimas de saudade, busquei, no computador, um pouco da história desses trabalhos, todos carimbados com amizade e afeto. O mérito, estou certa, sempre coube a ele.
De: de Vivina <vivinaviana@yahoo.com>
Para: Moacyr Scliar <mscliar@uol.com.br>
Assunto: Seu texto é lindo.
Data: Sexta-feira, 23 de Março de 2001 02:20
Querido Moacyr,
Seu texto é lindo.
Ontem à noite, eu o imprimi e, hoje de manhã, comecei a lê-lo no táxi, a caminho do dentista. E o choro foi chegando.
No dentista – duas horas na cadeira! –, recordava o que os vinte minutos de táxi haviam me contado, e me perguntava o que seria daqueles “estranhos colegas”.
Daquelas duas personagens – uma quase desconhecida da outra –, em uma cidade mais desconhecida ainda.
Na volta, outros vinte minutos emocionantes. Nem percebi haver ao Conjunto Nacional. Loja de celulares.
— Só daqui a meia hora, me disse o moço.
Fui pra Livraria Cultura e, muito mais de meia hora depois, terminei a leitura, com o choro seguindo, sereno, até o fim. Não resisti. Contei a história ao Edilton, que trabalha lá, você deve conhecer. Um bom amigo. Ele riu muito – eu também –, em várias passagens, como aquela em que a mãe, querendo resolver o problema do pai, complica, com uma única frase, a vida do filho.
Sua história é bonita, triste, divertida e, como sempre, incrivelmente bem conduzida, literariamente.
Você desenvolveu muito bem os temas, e reunir corrupção, desemprego, separação de casais, vida escolar e mudança de casa em um único enredo, tudo equilibrado, equilibrando, foi uma grande sacada. Coisa de gente que sabe o que faz. Mais: que gosta do que faz. É o seu caso, sabemos.
Passei o dia querendo te escrever. Primeiro, porque você pediu que, tão logo eu lesse o texto, te desse notícias.
Depois, porque não há como ler uma história dessas e não se comunicar com o culpado, quando se tem seu paradeiro.
Pois é, Moacyr, mais uma vez seu trabalho me emocionou.
Você é um escritor talentoso e trabalhador, e isso sempre dá certo. Ah, e não for muita pretensão querer entender de você, penso que, mais que trabalhador, você é determinado, com absoluto domínio dos próprios caminhos.
Em plena maturidade, com os dois pés bem plantados no chão, você voa como poucos. E sem turbulência alguma, pô!
Mais uma vez, te agradeço por atender ao meu pedido.
Fico honrada e feliz em trabalhar com você. Que outros livros venham, cada qual mais bonito, como tem sido, e como sinto – e sei – que vai continuar sendo.
Juro que queria te dar um abraço de verdade. Não apenas de leitor para escritor. Mas de leitor comovido, que leu o livro que ele queria que aquele escritor escrevesse.
Um abraço de “estranhos colegas”, tá legal?
Por enquanto, um beijo carinhoso da amiga,
Vivina.
De: Moacyr Scliar mscliar@uol.com.br
Assunto: Re: Seu texto é lindo.
Para: “de Vivina” vivinaviana@yahoo.com
Data: Sexta-feira, 23 de Março de 2001, 19:58
Vivina: com um nó na garganta, te digo: tua mensagem foi melhor que qualquer prêmio, Nobel inclusive. Um beijo deste teu fã, o Moacyr.
Esta crônica foi originalmente publicada no primeiroprograma, em 3/2011.