A morte manda lembranças

Eu aprendi a gostar de Getúlio Macedo, sempre presente nas assembléias e nas festas dos compositores. Eis que chegou sua hora, como é inevitável: ele morreu no mês de outubro. E quem era ele, que não foi nenhum Getúlio Vargas, que foi ditador e democrata e deu um tiro no peito que afastou por um tempo a corja de vilões que nos presenteou com uma ditadura de vinte e um anos?

Menino, na década de cinquenta do século passado, eu não sabia de nenhum dos dois. Do primeiro eu tomei conhecimento no dia em que, morto, fui informado de que poderia continuar brincando na praça de esportes, pois não haveria aula. Ignorante do que se passava, eu até gostei de ter mais tempo para os jogos de bola. Os dramas do Brasil e da política não faziam parte do meu mundo.

E eu não tinha a menor idéia de que o Macedo estava presente, sempre, de segunda a sexta, no meu dia a dia, na minha imaginação. Era o tempo glorioso da Rádio Nacional, que espalhava pelo país o que se criava no Rio de Janeiro. Programas de auditório, jogos de futebol (“quem gosta de cerveja bate o pé e reclama, quero brahma”), Jorge Cury e Armando Cordeiro, Marlene e Emilinha, todas as canções primeiras em minha memória.

A Nacional fazia a cabeça sem querer fazer a cabeça de ninguém, essa a impressão que me ficou, diferente dos líderes de audiência de hoje. Ela era o toca-discos democrático de todos os brasileiros. Nessa época eu não conhecia as bolachas que iriam me seduzir quando cheguei à cidade grande.

De seis e meia às sete da noite, antes da “Hora do Brasil”, dois seriados radiofônicos nos fascinavam. Primeiro o “Anjo”, de uns dez minutos, nos preparava para a atração principal: “ Jerônimo, o herói do sertão”.

Ficávamos, os irmãos, com os ouvidos atentos, em silêncio, escutando o desenrolar da aventura que se passava em terras brasileiras, em que brilhavam Jerônimo, seu ajudante, o Moleque Saci, e sua noiva, Aninha. Imaginávamos cenários nossos, como o rio infestado de piranhas, onde Jerônimo era jogado pelo bandido de voz cavernosa, o Caveira e seu cúmplice, o Chumbinho. Como todo folhetim, os ganchos de cada episódio nos traziam susto e medo.

Por muitos anos cantei a música tema e nunca soube de quem era. Até que conheci o Getúlio Macedo, e ele, sabendo de minha boa lembrança de sua canção, me deu uma gravação original. Desde então eu posso cantá-la com a letra inteira: “Quem passar pelo sertão vai ouvir alguém falar do herói dessa canção, o Jerônimo lutador. Filho de Maria Homem nasceu, Serro Bravo foi seu berço natal…” E por aí vão Jerônimo e Getúlio Macedo.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas.

 

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