O mecânico que me serve há anos virou reparador automotivo. Vendedor de loja agora é agente de negócios. O que há de mal com o nome próprio de honestas profissões?
Os velhos foram transformados em dado de ficha técnica. Terceira idade. Por que não chamar um velho de idoso, ou de velho mesmo? Imaginem a nova tradução de Hemingway: “O representante da terceira idade e o mar”. Pior ainda é o eufemismo cheio de graça: melhor idade. Quinze anos não estão com nada.
Do jeito como vai, daqui a pouco pobre será portador de necessidades pecuniárias. Calvos, despossuídos de cobertura capilar. Mancos, articularmente descompensados. Banguelas, vítimas de intervalos dentais. E já ouvi esta, fabulosa: baixinhos, verticalmente prejudicados.
Poderá surgir também o termo supridoras de carência sexual. Pelo menos, acabaria com o palavrão. Num momento de raiva, você diria “esse filho de uma supridora de carência sexual.”
Certa vez, os repórteres correram atrás desta notícia: um recém-nascido fora enterrado vivo. Mas parcialmente, de modo que alguém viu e conseguiu salvá-lo. No hospital, começou a agitação. O pessoal da enfermagem queria dar-lhe um nome. E aí surgiu um dos mais intoleráveis tipos de pentelho. O que exige rigor técnico.
Creio que era um professor, um estudioso enfim. Deu sua sentença: o menino deveria chamar-se Geonato. Pois, na canhestra e obtusa interpretação do sujeito, nascera da terra. Isso não seria nome; seria sina, marca. O pobre ia ter que passar a vida inteira explicando seu nome: “Minha mãe me enterrou vivo.”
Não chega a tanto, mas se você falar de um negro como afro-descendente estará, sem nenhuma necessidade, se referindo à origem dele. Afro-descendente é dado de registro antropológico, não forma de se designar alguém.
Da mesma forma, os deficientes físicos foram transformados em portadores de necessidades especiais. Soa falso. Acho que ninguém porta uma necessidade, mas a sente. Neste caso seriam dependentes de atendimento especial. Os especialistas em eufemismos ficariam horrorizados.
PS – Acabo de ver no Estadão (31 de janeiro) mais uma: cicloativista. Alguém pode perguntar: “O que você faz?”. E ele, estufando o peito: “Sou cicloativista”. A notícia informa que “milita pelas bikes em SP.” Bike? O que aconteceu com velha magrela, isto é, bicicleta?
Fevereiro de 2010