Um ano que poderia ser novo

Fernando Collor de Melo tinha se sagrado o primeiro presidente da República eleito pelo voto popular depois de 20 anos de regime militar e do pacto nacional pró-Tancredo Neves que acabou coroando José Sarney por longos cinco anos.

Vencera em nome dos descamisados com o bordão da caça aos marajás, após golpear o adversário Lula com baixarias nunca antes vistas neste país.

Nos anos anteriores, vi Brasília ascender à categoria de cidade, ganhando vida e alma (tenho no imaginário que isso aconteceu a partir do panelaço pelas diretas-já, em 1984).

Naquele final de 1989, após dois anos cobrindo a Assembléia Nacional Constituinte e um ano viajando pelo país afora na primeira campanha presidencial da recém-encarnada democracia brasileira, decidi: é hora de mudar.

Dizia e repetia em todos os cantos que era repórter de política e não queria me tornar repórter de polícia.

Sair de Brasília encabeçava aquela tradicional listinha de “coisas que quero fazer no ano novo”, e viraria quase uma obsessão em 1990.

O rol de resoluções para o ano que se aproximava tinha outros desejos – parar de fumar, fazer exercícios físicos, dormir mais cedo – coisas que persigo até hoje. Mas, no intento de me livrar do dia-a-dia de escândalos de Brasília, venci.

Parecia birra, mas hoje encaro como clarividência. Estávamos longe da descoberta da farra da Operação Uruguai, das histórias de PC Farias ou qualquer outro fato que determinasse a degola do presidente eleito.

E muito mais longe ainda da série infinda de descalabros dos últimos anos, meses e dias.

Brasília tinha um dos réveillons mais sem graça do planeta. Ainda assim – para alegria dos meus colegas de jornal – eu sempre me oferecia para o plantão da virada, em troca de uns dias de folga para ir a Minas juntar-me à família no Natal.

Não foi diferente na passagem de 1989 para 1990. Exatamente à meia-noite, numa festinha chocha em um apartamento na Asa Norte onde se juntaram quase todos os poucos jornalistas insanos que passavam o Ano Novo no Planalto Central, prometi que aquele seria o último ali.

O estilo Collor ocupou a cidade de tal maneira que dava medo. Babava-se com a Casa da Dinda, paraíso particular do presidente eleito e de sua barbie Roseana, onde dezenas de curiosos, famílias inteiras, se aglomeravam para uma foto.

Desfilava-se uma estranha moda yuppie démodé, bem nos moldes do jovem vitorioso, bisneto, neto e filho do que havia de mais retrógrado na política, só que travestido de modernidade.

No Congresso Nacional, nos restaurantes e até nas redações dos jornais, muitas das mesmas pessoas que ouvi criticá-lo duramente se derretiam em elogios.

Eu não conseguia enxergar outro rumo. Tinha de sair, o quanto antes.

Nada contra a cidade, que ainda adoro. Nela aprendi um pouco de quase tudo e, mais importante, fiz amigos perenes, algo raro quando se alcança a idade adulta.

Hoje, ao se aproximar do ano de seu cinquentenário, Brasília bem que poderia mostrar maturidade, expurgando de vez tipos como Rorizes e Arrudas que a enrubescem e a matam de vergonha.

Com isso, exatos 20 anos depois, a Capital Federal começaria a fazer o caminho de volta, descongestionando as páginas de política que há tempos são ocupadas por casos de polícia.

Seria uma afirmação e tanto, e conferiria a cidade o esplendor que ela merece.

Este artigo foi escrito para o Blog do Noblat

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