É estranho, irônico, que a Espanha tenha se tornado campeã do mundo, com, creio, seis jogadores do Barcelona, um dia depois que uma multidão de 1 milhão e 100 mil pessoas marcharam pelas ruas da cidade catalã numa demonstração que, a rigor, é secessionista, separatista, anti-Espanha.
Durante alguns momentos logo depois da sofrida vitória da Espanha em Johannesburgo, brinquei no Twitter que a Espanha é assim uma espécie de Minas Gerais, o Estado em que nasci. Se a gente pensar um pouco, vem a dúvida: o que é Minas Gerais, afinal? O Triângulo, que até quis virar Estado independente, é mezzo Goiás, mezzo São Paulo. O Sul de Minas é bastante paulista. Juiz de Fora se acredita fluminense – uma velha piada diz que as pessoas vendem carros em Juiz de Fora mais barato do que as tabelas devido à maresia. De Montes Claros para cima, é Bahia. A rigor, o que sobra de Minas Gerais?
Na Espanha não é brincadeira – no Norte, o País Basco se acha independente, e há mais de cinco décadas o ETA mata inocentes em defesa dessa idéia. A Catalunha exige autonomia, o país concede autonomia, mas a Catalunha quer mais, e mais, e mais, quer ser reconhecida como Estado, e, quando o Tribunal Constitucional da Espanha rejeita esse apelo, as multidões protestam, um dia antes de a seleção, metade dela jogando no time catalão, entrar no exclusivo clube de campeões do mundo.
Não consigo compreender secessionismos, separativismos.
Babo com movimentos unionistas, os países europeus que já se guerrearam tantas vezes, ao longo de séculos e séculos, se unindo, alemães, franceses, ingleses e italianos tentando e conseguindo estabelecer um Estado acima dos Estados.
Não consigo compreender que os belgas queiram se dividir, acabar com o país de Jacques Brel, de Georges Simenon. Não consigo entender que escoceses queiram se separar dos ingleses. Tudo bem: entendo que parte dos irlandeses do Ulster queiram se separar dos ingleses, enquanto outra parte não queira. A Irlanda é complicada, complexa, assim como os povos das diversas etnias e nações dos Bálcãs, que a força do Marechal Tito e do regime comunista atrás dele obrigaram a se transformar em uma única nação – embora jamais vá ser possível compreender que, no momento do desmembramento da Iugoslávia, tenha havido tanta barbárie, como poucas vezes se viu ao longo dos séculos no mundo inteiro, uma barbárie do nível daquelas africanas, os massacres da etnia tutsi pelos hutus.
Que nações que foram sufocadas por algum tipo de imperialismo se revoltem contra o antigo opressor – como a Geórgia, a Ucrânia, a Chechênia -, dá para compreender.
Mas quando são partes de um Estado, com autonomia reconhecida, como o País Basco e a Catalunha na Espanha, como o País de Gales e a Escócia no Reino Unido, aí foge da minha capacidade de entendimento.
Secessionismo, separativismo, para mim, soa como coisa de tribo – jamais de nação em que a maioria freqüentou escola, alisou banco de escola.
Não é uma questão de utopia, de imaginar um mundo sem fronteiras, como sonhava no seu sonho mais louco o louco do John Lennon. É muito mais simples, mais prático, mais óbvio do que isso. Por que dividir mais do que já está dividido, meu Deus do céu e também da terra? Se não podemos ir em direção à utopia do mundo sem fronteiras, sem pátria, sem religião que separasse uns dos outros, por que, ao contrário, lutar pela separação?
Bem, mas acho que, quando comecei esta anotação, o que eu queria mesmo era só, apenas e tão somente indicar uns videozinhos.
Aí estão Joan Manoel Serrat, catalão, e Ana Belén, castelhana, que eu saiba, cantando juntos em catalão.
E aí estão eles mesmos, um dos maiores compositores espanhóis, uma das maiores cantoras espanholas, cantando junto em castellano, espanhol.
Podemos falar línguas diversas, podemos ter peles de cores diferentes, mas, caralho, somos uma mesma e única raça.
11/7/2010