Os adjetivos inúteis

Uma das peculiaridades do Brasil, além da inevitável jaboticaba, é que aqui nem o governo e nem a oposição sabem exatamente o que significa ser oposição, e qual o seu verdadeiro papel institucional num regime democrático.

A “soi disant” oposição, formada basicamente pelo PSDB, o DEM e o PPS, passou quatro e depois mais quatro anos brincando de esconde-esconde com as suas próprias convicções, se é que tinha algumas, e até mesmo com as suas próprias realizações, como se se envergonhasse de ter eliminado a inflação, de ter privatizado velhos e ineficientes elefantes brancos, de ter saneado o sistema bancário, de ter estabelecido regras civilizadas de responsabilidade fiscal – enfim, de ter plantado as sementes de uma estabilidade econômica sólida e sustentável e com ela os fundamentos para a modernização do País.

Deixando-se acuar covardemente pela avassaladora popularidade do presidente da República, a oposição, nas duas tentativas que fez de substitui-lo no governo, se acomodou à agenda que interessava a ele e ao seu partido, de tal forma que, em 2006, seu candidato, Geraldo Alckmin, não se constrangeu em usar um macacão cheio de logotipos de estatais para mostrar que não pretendia privatizá-las, e na tentativa deste ano José Serra chegou a ensaiar um anódino pós-lulismo, colocando a imagem do presidente em seu horário eleitoral. Além disso, encaixou o golpe da propaganda governista que transformou as concessões de exploração de petróleo em privatizações, e acabou tentando devolver ao governo a acusação de “privatizador”, transformando esquizofrenicamente uma virtude em pecado.

Essa é a parte que cabe à oposição.

No que diz respeito ao governo, o presidente Lula não se cansou de maltratar a oposição durante a campanha eleitoral, chegando quase a lhe negar a legitimidade, ao chamá-la de “turma do contra”, ao pedir a “extirpação” de um dos partidos que a compõem, e a chamar o futuro governador eleito de São Paulo de “aquele sujeito”, entre outras delicadezas.

No dia em que a presidente eleita, ao lado dele, deu a sua primeira entrevista coletiva – por sinal tranqüila, ponderada e civilizada, muito longe dos arranques quase apopléticos da campanha eleitoral – Lula não perdeu a chance de reiterar a sua estranha forma de encarar o papel da oposição numa democracia. Ele pediu para ela um tratamento melhor daquele que deram a ele durante os oitos anos de seu governo. Pela estranha noção de democracia do presidente, considerando aquilo que de fato aconteceu durante os oito anos, só a unanimidade lhe serve.

“Contra mim, não tem problema, podem continuar raivosos, do jeito que sempre foram. Mas a partir de 1º de janeiro, que eles olhassem um pouco mais para o Brasil, que eles torcessem para que o Brasil desse certo”. Além de ser uma acusação sobre cuja gravidade o presidente parece não ter refletido – dizer que a oposição torce para o Brasil dar errado é uma figura de retórica irresponsável e desmedida, como foram muitas das falas do presidente ao longo dos oito anos – é muito irônico que venham da boca do patrono de um partido que votou contra rigorosamente todas as propostas que colocaram o País nos trilhos, desde o Plano Real até o Proer, sem falar da recusa em votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral na eleição que marcou o fim da ditadura, e em homologar a Constituição de 1988.

O Brasil tem muito a aprender para chegar à plenitude da democracia, até que um presidente deixe de chamar a oposição de “raivosa” e que um dos mais destacados líderes dessa oposição, o vitorioso senador eleito Aécio Neves, deixe de prometer uma “oposição responsável e generosa”.

Uma democracia de verdade não precisa ser condicionada por adjetivos inúteis.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 5/11/2010.

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