Os 15 minutos de glória

O sucesso surge em nossa vida de repente. Digo, aqueles 15 minutos não necessariamente de fama, mas com gosto de glória. Vejam, amigos. Minha casa tem a proposta de ser morada rústica, desprovida dos brilhos do acabamento moderno. O piso da sala é de cimento. As paredes não têm massa corrida. A própria porta de entrada é peça tosca, o chão de um carro de boi adaptado.

O que se vê na sala são móveis antigos, herdados do meu sogro. Tudo estava em harmonia, até minha filha vir morar com a gente (tem sua casa, mas está em reforma). A primeira coisa que fez foi comprar um sofá de shopping center. O nosso, discreto, velhinho, estava mal, é verdade; porém digno.

Pois bem, o estofado novo veio bem ao estilo dos nossos tempos de alto consumo. A reboque trouxe-nos um fricote, uma chaise-longue. O padrão do conjunto é sóbrio e de bom gosto (Mônica sabe das coisas), mas profanou o meu tugúrio, como diz o Antonio Contente. Conquistou seu lugar na frente da lareira.

Como a rústica cabana do caçador precisa de lareira, também temos a nossa, aqui em casa. Moramos num fundo de vale, à borda da mata, à mercê da intempérie … Bem…  a casa fica num bairro central de Guarulhos, junto a uma avenida de duas pistas, que corre à margem de um bosque municipal. Mas é verdade que este lugar é mais frio, assim como Guarulhos tem temperaturas mais baixas do que a capital.

E nossa sala, de pé-direito alto, com o chão de cimento, gela nesta época do ano. Há dois dias, o meu pequeno termômetro, no quintal, marcou 13 graus. Com viés de baixa. Eu tinha, no quintal, dois pedaços de galhos rústicos abatidos pela prefeitura na poda de uma árvore. Dariam fogo?

Parti para o supermercado de uma grande rede, próximo de casa. Tinha visto numa das seções feixes de lenha para lareira. Contidos por cintas, formam um bloco bonito, que atrai a atenção. Peguei o meu e coloquei-o no carrinho. Foi dar os primeiros passos, e as pessoas começaram a olhar.

Nós dois, o feixe e eu, chamávamos a atenção. Lá ia o sujeito que tem lareira em casa, o felizardo. Alguém importante, por certo. Lareira, fondue, um bom vinho. Ah, que vidão leva esse pessoal que pode. Não havia palavras, apenas os olhares me diziam isso. A glória me atingia como um raio, no meio de um supermercado.

A moça do caixa esperou alguns segundos, mas falou:

 – O senhor tem lareira?

– Sim, casa simples, chão de cimento…

– Que delícia!

Os que estavam atrás de mim, na fila, pareciam olhar o feixe com grande respeito. Paguei e me raspei. Junto com a gente (o feixe e eu) entrou no elevador um casal com seu carrinho de compras. O homem perguntou:

– Pra que serve isso?

– Lareira… muito frio, casa rústica.

– Não disse? – reagiu a mulher.

Alguns segundos do primeiro andar para o térreo. A porta se abre sem dar tempo para mais conversa. Sigo para o carro, coloco o feixe no porta-malas e volto a ser um cidadão comum.  

Junho de 2010

4 Comentários para “Os 15 minutos de glória”

  1. Ô Valdir, você nunca vai chamar os amigos mais pobres pra comer um fondue no Castelo, diante da lareira?

  2. Não é por nada, mas notei uma certa soberba no texto.Algo parecido com a seleção da Espanha antes de cruzar com a Suíça.Um certo desprezo pelos pobres como nós, que não moramos num castelo.Mas esperamos que o inverno não se esvaia sem que possamos comer um fondue nesse castelo. Nem que seja um fondue de carne.Você nos convida, Valdir ?

  3. O Valdir está podendo, numa boa, em Guaru, com esse frio, castelo com lareira… e nem convida os amigos para um fondue…

  4. Caros amigos, o texto fala em fondue e vinho expressando o que as pessoas no supermercado pareciam estar pensando. Tive sorte em ninguém ter ido além, porque aquele é o mesmo supermercado em que um doido saiu esfaqueando os compradores, recentemente. Vejam o risco que a que soberba nos expõe.
    Estão todos convidados para o suposto castelo (tugúrio, chão de cimento…), onde lançarei nova modalidade de atendimento: o fondue por quilo. Com lareira, 10% de acréscimo.

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