Glória suprema

Foi só receber a segunda parcela do 13.° salário, minha amiga entrou numa agência de viagens.

— Não acredito! Tudo isso? Nem que o Nordeste fosse no fim do mundo!

— Você pode parcelar o pagamento.

— E se eu perder o emprego? Alguém paga pra mim?

— Se quiser, você pode trocar o avião pelo ônibus.

— Deus me livre! Entrar num ônibus aqui em São Paulo e ir parar lá em Fortaleza? De jeito nenhum! Estou cansada! Ando de ônibus o ano inteiro, todos os dias. Além disso, adoro avião!

— Você pode, então, visitar as cidades históricas de Minas.

— Aquelas obras do Aleijadinho, aquelas igrejas, aqueles profetas? Tudo muito bonito, lindo, lindíssimo, mas conheço de cor. E Minas não tem mar, adoro mar!

— Portugal serve?

— ???

— Muito mais barato que o Nordeste, você acredita?

Dois dias depois, no aeroporto de Lisboa, mochila nas costas, mapa da cidade na mão, ela procurava onde se instalar.

Mais vinte dias, e minha amiga volta ao trabalho, em São Paulo:

— Como é que pode? Você passa as férias no Nordeste e volta ainda mais branca?

— Que Nordeste? Fui a Portugal!

— ???

— Mais barato, vocês acreditam?

Habituados ao país eternamente em crise, os colegas acreditam. Gostam. Se Portugal, de uma hora pra outra, assim, num abrir e fechar de olhos, fica mais perto, mais fácil e mais barato, então isso não é bom?

Passado o susto, voltam à realidade:

— E as fotos?

— Que fotos?

— Você vai a Portugal, fica vinte dias, e nada?

— Não levei máquina.

— ???

— Só minha mochila.

— Mochila? E as roupas?

— Que roupas? Um jeans, o outro fui vestida com ele, quatro camisetas, uma havaiana, o tênis foi no meu pé, peças íntimas, meias, o casaco viajei com ele, escova de cabelo, de dentes, batom, ah, tudo coisa pequena.

— Só a mochilinha, mais nada?

— Nadinha. Podem aprender mais essa, mochila é a glória! Só sair e carregar. Não me preocupei com coisíssima nenhuma, dia nenhum.

— E Portugal?

— A glória!

— A glória não é a mochila?

— Portugal também! Ah, vocês querem saber? A glória suprema é uma mochila em Portugal! Ano que vem vou de novo.

— E as fotos? Nem uma?

— Nem uma fotinha!

— Verdade?

— Foto pra quê? Me digam, foto pra quê? Os lugares não continuam lá?

As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial). Com a autorização de Vivina e de Leonel, estou aproveitando o trabalho dele e republicando também aqui os textos.

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *