A garotinha Joni Mitchell encontra o grande Johnny Cash

Deve ter sido em 1968, ou 1969, talvez até um pouco antes disso: uma Joni Mitchell novinha, mas novinha de tudo, dentuça como uma adolescente, senta-se ao lado do já veterano, respeitado, adorado, mas ainda jovem Johnny Cash – ele devia estar com uns 36, 37, e ela, com uns 25. Estão, tudo indica, num estúdio de TV. Trocam umas duas ou três frases meio sem jeito, e aí cantam em dueto Long Black Veil.

É lindíssimo, emocionante, de arrepiar.  

Topei com essa pérola no YouTube outro dia. É uma dessas coisas tão estupidamente belas que a gente quer imediatamente dividir com os amigos todos: pô, olha aqui, você sabia que a Joni Mitchell e o Johnny Cash tinham feito um dueto na televisão?

Long Black Veil tem a essência da folk music das Ilhas Britânicas, depois desenvolvida também naquele lugar grandão que os britânicos colonizaram ao Norte do Rio Grande: tem tragédia, muita tragédia. Como a folk music gosta de uma tragédia! Assassinatos, roubos, paixões que acabam mal, ciúme doentio, infidelidade, injustiças, horrores, juízes perversos, mulheres fatais, todos os tipos de dramas descomunais. Uma vez reuni em um CD algumas dessas canções e dei a ele o título meio pomposo, meio gozador, de Folk. Ou: mais tragédias que na Bíblia e em Shakespeare.

Long Black Veil é um pequeno conto em forma de canção: dez anos atrás, numa noite fria, um sujeito foi assassinado; uma testemunha disse que viu um suspeito no lugar do crime muito parecido com o narrador da história. O narrador foi preso; o juiz perguntou se ele tinha um álibi, mas ele não podia dizer a verdade porque, no exato momento do crime, estava – o safado! – nos braços da mulher de seu melhor amigo. Ele sabe que será condenado à morte se não tiver um álibi – mas simplesmente não pode revelar a verdade. Hoje, dez anos depois da tragédia, aquela mulher costuma andar pela colina, usando o longo véu negro do título da canção, e muitas vezes chora em cima do túmulo do amante morto.

Sim: o narrador está morto. Está cantando sua triste história lá de dentro do seu túmulo.

E depois tem gente que acha que Quentin Tarantino reinventou a narrativa.

Joan Baez, a maravilhosa, a excepcional, a genial, gravou Long Black Veil duas vezes, em seus discos oficiais, coisa que fez muito raramente: uma no seu disco de 1962, Joan Baez in Concert, Part 2, e a outra em One Day at a Time, de 1969. Há trocentas gravações da canção, inclusive uma de Mick Jagger fazendo o vocal com o conjunto irlandês Chieftains atrás dele. O mesmo grupo Chieftains gravou a música com a mulher que foi namoradinha de Mick Jagger nos loucos anos 60, a grande Marianne Faithfull, uma cantora e atriz que se reinventou ao longo das décadas e está melhor a cada década que passa.

A foto aí acima é da época em que Joni Mitchell estava lançando seu disco de estréia, Song to a Seagull, de 1968 – a mesma época do vídeo com Johnny Cash. Percebe-se na foto por que Pete Seeger se referia a Joni, naqueles anos (ele já estava com uns 50, o dobro da idade dela), como “a long legged blonde”.  Ou seria “a long legged gal”?

Mas o texto está ficando comprido. A idéia é pôr aqui pequenas anotações sobre os assuntos mais diversos. Anotações pequenas, tá, Sérgio Vaz?

Uma explicação

Com esta indicação do vídeo de Joni Mitchell ao lado de Johnny Cash, inauguro um novo tipo de post dentro do 50 Anos de Textos – a Geléia Geral. Serão anotações curtas (na estréia, acabei me empolgando e me alongando mais do que deveria), com indicações de bons achados, dicas, comemorações, até desabafos. Sem a intenção de aprofundar temas. Sem maior preocupação com a qualidade do texto em si (ao contrário de todos os demais que aparecem neste site). Coisinhas curtas, soltas, mais descompromissadas do que nos meus demais textos, mais camiseta que paletó e gravata. Um grande melê, uma salada russa, uma geléia geral.

10/2/2010

2 Comentários para “A garotinha Joni Mitchell encontra o grande Johnny Cash”

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