Quais camadas subterrâneas estão se mexendo? Os nossos sensores profissionais de sismos eleitorais fazem diversas apostas e especulações: para uns, é o aborto, essa discussão medieval e obscurantista que agride a racionalidade e o iluminismo do Estado laico; para outros, trata-se da repercussão das travessuras de dona Erenice e sua destrambelhada família nas salas contíguas à Casa Civil; para outros ainda, é uma espécie de puxão de orelhas na soberba presidencial, uma maneira de lembrar ao “cara” que quem dá o poder também pode tirá-lo, ou um simples alerta para que desça um pouco das tamancas e pare de esbravejar e de se considerar o fundador do País.
Cada um dos explicadores oficiais escolhe a sua tese predileta, para fundamentar a escolha que mais lhe apetece, ou para corroborar os pré-julgamentos publicados ao longo da campanha ou para acomodar mal disfarçadas simpatias partidárias.
O fato é que as pesquisas mostram que a coisa não está correndo de acordo com o figurino que já estava desenhado, consagrado e estabelecido. Uma semana antes do primeiro turno das eleições, era difícil encontrar um comentador que já não desse a partida por liquidada e não tentasse demonstrar a sua sagacidade sacando sobre o futuro, antecipando composições e ministérios, acomodação de tendências, lutas internas pela divisão de poder, jogos de influência, essas coisas comuns que tanto atormentam as falanges vencedoras.
Os institutos de pesquisas, uns mais vitaminados, outros menos, induziram todos ao erro, porque não conseguiram passar da superfície e captar os movimentos das camadas subterrâneas onde se escondiam as verdadeiras intenções do eleitor. Para o jogo do segundo turno, aparentemente eles se cercaram de maiores cautelas e tentarão fazer um esforço desesperado para salvar a sua reputação, que está valendo pouco mais de dois vinténs.
A duas semanas das eleições não há nada decidido. Os próximos dias prometem fortes emoções. Dilma pode recuperar o fôlego perdido e retomar as rédeas da disputa ou Serra pode virar o jogo.
Várias lições ficam: a mais óbvia delas é que a credibilidade dos institutos de pesquisa está abalada, alguns por fragilidade metodológica, outros por fragilidade ética – ou por ambas. Outra lição é a de que o cosmopolitismo, o modernismo e o laicismo das camadas “modernas ‘ da classe média urbanizada têm o contraponto geralmente não detectado e desprezado de uma religiosidade ainda viva e pulsante – para o bem e para o mal – nas camadas mais pobres da população, o que significa que alguns valores continuam se sobrepondo, ou no mínimo se igualando, a um prato de comida doado pelas bolsas do governo ou à facilidade de um carnê das Casas Bahia. E, por fim, a constatação de que ainda existe quem dê importância à ética no trato da coisa pública.
Os explicadores de Brasil terão todo o período pós-eleitoral para estudar por que está cada vez mais difícil fabricar caudilhos e impô-los ao povo.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/10/2010.