Na noite anterior à minha volta da simpática cidadezinha de Mocajuba para a ilha na foz do Rio Amazonas, onde ainda permaneço em retiro, desabou imenso temporal sobre o lugar, localizado numa poupada curva do Tocantins. E se ali experimentei duas experiências incomuns, como conhecer em carne e osso um iraquiano e testemunhar que o circo, de fato, não morreu, os acontecimentos do último dia foram tão fascinantes quanto terrificantes. Pois uma tempestade sobre a floresta amazônica, amigos, é qualquer coisa inimaginável. Os raios riscam o céu, estrondosos, o rio se encapela a ponto de ter ondas quase como o mar e o vento bate com fúria, uma dessas fúrias que muitos só viram, até hoje, em filmes da velha Hollywood. Coisa de Cecil B. de Mille, em cinemascope e technicolor.
Mas o dia amanheceu radioso e quente, como no velho soneto, para que o sol mostrasse logo os estragos da ventania bela e medonha ao mesmo tempo. Casas destelhadas, barcos emborcados no pequeno ancoradouro, mas, sobretudo, árvores arrancadas a entulhar ruas e quintais. Foi quando apareceu, diante da casa em que fiquei, um garoto berrando que caíra uma árvore imensa “sobre a casa de dona Jacyara”. Perguntei de quem se tratava e logo soube que era uma bela viúva, cujo marido, poucas semanas antes, morrera afogado ao tentar atravessar o rio a nado, no rumo da lendária Ilha do Camaleão. Tive detalhes: o enorme tronco praticamente esmagou a residência de madeira, havendo poucas possibilidades de que a linda mulher tivesse escapado. Como no local não há bombeiros, e vendo renascer em mim o velho espírito de repórter, fui, com uma turma de salvamento que se organizou, no rumo do acidente, um sítio afastado da cidadezinha.
De fato, o estrago fora total. O tronco que esmagara a casa, para vocês terem uma idéia, era imensamente maior do que o de um jequitibá ou sumaúma. Vindas não sei de onde, outras pessoas se encontravam no local, e algumas possíveis medidas de salvamento já haviam sido implementadas. A ânsia que tomava o grupo ao qual me incorporei, era, realmente, salvar a bela dona Jacyara, que morava sozinha, os empregados possuíam casinhas nos fundos do terreno. Um senhor de repente gritou:
– Um médico! Um médico! Vamos chamar o doutor Péricles!
– Não adianta – um dos que chegaram antes se adiantou.
– Por que, dona Jacyara morreu?
– Morreu, e o doutor Péricles se encontrava junto com ela.
– Fazendo o que, alguma consulta no meio da noite?
– Acho que não, pois os corpos estavam sem roupa, na cama de casal…
De tarde, embarquei no naviozinho de volta pra Belém. Não tenho nenhuma dúvida de que é preciso voltar a Mocajuba.
Esta crônica foi originalmente publicada no Correio Popular
Contente, quase te peguei. Fico sempre muito curioso em saber onde se localiza seu refúgio amazônico, com o tugúrio, a horta e o embarcadouro. Agora, tive uma pista: Mocajuba. Fui ao Google (o novo pai dos burros) e encontrei o lugar. Bem, mas depois da espantosa visão do iraquiano, e do passamento da viúva e o doutor, você pega um barco e retorna… para onde? Se ainda não escreveu, bem poderia por no papel (cruzes!), digitar como você foi dar com os costados na ilha, onde fica o lugar. Assim posso ter o gostinho de partilhar um pouco o seu éden. Um grande abraço, aqui do meio da poluição e da barulheira.
O Valdir, que não perdeu com o tempo, ao contrário, apurou o seu faro de formidável repórter, conseguiu localizar Mocajuba. E quer saber onde fica a ilha em que me escondo. Pois bem, fica no delta do rio Amazonas, ou seja, no lugar em que ele está prestes a se atirar no Atlântico. Ali, além de Marajó que,no mapa, aparece como imensa rolha querendo tapar o desabar do curso d’agua no oceano, existem muitas ilhas e ilhotas. São, como dizem os técnicos, de aluvião, formadas pelos detritos que descem na correnteza, encalham e crescem. Incontáveis ilhas, todas com a vegetação íntegra, pouco habitadas etc. A minha fica distante de Belém cinco horas, de barco. Tem uns quatro quilômetros de comprimento por mais um, um e meio de largura. Está dividida ao meio entre dois moradores. Eu e um senhor nascido em Garça, no interior de São Paulo, perto de Marília. Na minha parte, apenas conservo e curto. Na do vizinho, que só vi umas duas vezes na vida, ele cria búfalos. Tem empregados, algumas casas. Até onde imagino, ganha dinheiro. Pois produz também queijos (a famosa mussarela de leite de búfala) que são, inclusive, vendidos na Paulicéia. Mas olha, para matar sua curiosidade, só indo lá. No momento estou em Campinas. Porém mais adiante poderemos combinar.
PS – Mocajuba fica no interior do Rio Tocantins, que deságua no rio Pará, que nada mais é do que um braço do Amazonas.