A hipótese de o presidente Lula se afastar do cargo em agosto e setembro para mergulhar de cabeça na campanha de sua candidata Dilma Rousseff parece mais um daqueles engenhosos balões de ensaio que seu governo e o PT tão bem sabem inflar. Possivelmente dita por uma “fonte quente” para ser desmentida em seguida, quiçá pela própria fonte, como uma idéia maluca.
Não é uma prática nova. Recorrente, já foi usada para medir a pressão sobre um eventual terceiro mandato para Lula, e mais recentemente nas propostas petistas mais radicais, seja no PNDH-3 ou no pré-programa de Dilma, apresentado no 4º Congresso Nacional PT.
Lança-se o balão, mede-se a temperatura. Se colar, colou. E quando a idéia é rejeitada, nega-se a autoria com unhas e dentes.
Mas, diferentemente do balão do terceiro mandato, que chegou a subir perigosamente e até a virar projeto de consulta plebiscitária, o eventual licenciamento de Lula durou menos de 24 horas.
Afinal, além de coroar o senador José Sarney – um ícone da rejeição nacional, que hoje só deve perder para o governador preso do DF -, expôs a candidata de Lula como alguém incapaz de encarar sozinha a fase decisiva da campanha.
O desagrado foi tanto que, velozmente, o PT negou, Sarney negou, o Palácio do Planalto negou, Até Lula veio a campo para desautorizá-la. E a ordem unida é que, pelo menos por enquanto, não se fale mais nisso.
Mas só o fato de o presidente Lula querer testar o tema é por si simbólico. Escancara a desconfiança que tem em sua pupila e na sua capacidade de transferir votos para Dilma se não estiver todo o tempo ao lado dela.
Há de se perguntar por que Lula lançou tal balão quando todos os ventos sopram a seu favor.
Ao contrário de seus adversários, pouco versados nessas táticas, Lula experimenta as idéias mais estapafúrdias sempre nos momentos certos. E o fez dias depois de receber a primeira pesquisa que coloca a sua candidata lado a lado do opositor que sempre correu à frente. Na mesma semana que, para seu deleite, o campo adversário intensificou suas rivalidades internas.
O senso de oportunidade de Lula realmente impressiona. Não haveria data melhor para o balão do afastamento.
Enquanto o PSDB do candidato não assumido José Serra expõe ao máximo sua esquizofrenia, enfraquecendo o titular ao transformar o candidato a vice em peça fundamental para a vitória, Lula se dá o luxo de brincar, testar, inflar balões. E, na verdade, se não fora Sarney o titular da interinidade, talvez a estratégia estivesse sendo comemorada.
Mais do que ninguém, Lula conhece a sua Dilma. A fidelidade dela é encantadora. Mas sua inexperiência no embate eleitoral, seu pouco ou quase nenhum jogo de cintura, sua dificuldade extrema de se conectar com o povo, mesmo depois de mais de um ano de treinamento intensivo, devem atormentar o presidente.
Por pragmatismo ou soberba, Lula deve avaliar que seu afastamento possa mesmo ser indispensável. E mesmo que a rejeição maciça tenha feito o governo recuar apressadamente da idéia, talvez isso não seja definitivo.
Até porque ele já começou a limpar o caminho. Arrancou a negativa peremptória do aliado Sarney – “quem já foi presidente não pode ser interino” – e antecipou a celeuma jurídica quanto à constitucionalidade de um eventual licenciamento para se fazer campanha eleitoral de terceiros.
E não ouviu uma crítica sequer sobre a possibilidade de o presidente do STF, o seguinte na linha sucessória, ocupar temporariamente o Planalto.
Ou seja, se por ora esse foi só um balão a mais, o ensaio já teve serventia.
Este artigo foi publicado originalmente no Blog do Noblat, em 7/3/2010