O poder é uma droga forte, vicia, causa dependência. Isso é sabido. Portanto, nada mais natural do que a melancolia de um presidente quando o mandato, e ainda por cima de oito anos, se aproxima do fim. Cabe tudo. Reclamações, desconfortos, muxoxos, engasgos e até lágrimas. Mas se Dilma Rousseff é Lula reencarnado (até mesmo na cédula, como o próprio diz), lidera duas das três últimas pesquisas e já ganhou no primeiro turno – garante o Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência -, por que mesmo Lula chora?
Assim como antecipou em quase dois anos a campanha eleitoral, Lula parece agora adiantar a dor e a tristeza de terminar o seu segundo mandato. Ainda faltam longos cinco meses, quase meio ano de trabalho para transferir a faixa. Mas ele se comporta como se cada audiência, cada viagem, cada entrevista fosse a última.
Como Lula não dá ponto sem nó, aí tem.
Nesta semana, abusou das lágrimas. Primeiro, na entrevista à TV Record, depois, ao vivo, no palanque do Gigantinho, no Rio Grande do Sul.
A capacidade de Lula para induzir e manipular emoções é indiscutível. Poucos, ou quase ninguém, tem tanta empatia e colhe tantos resultados no contato direto com o público.
Não por outro motivo, desde sempre preferiu o palanque às responsabilidades administrativas que a Presidência lhe impõe. E se, historicamente, o palanque lhe foi uma arena de domínio absoluto, tê-lo como chefe máximo da nação foi e continua sendo irresistível.
Na verdade, Lula vive uma situação bastante incomum: para a maioria dos detentores de cargos majoritários, quanto mais presidentes, o fim de um mandato os obriga a sair dos palácios e voltar aos palanques. Para Lula, especialmente se vencer com Dilma, será exatamente o contrário. Talvez esse seja um motivo de choro.
Provou isso ao embargar a voz e encharcar os olhos no comício de Porto Alegre. Mesmo sabendo que ofuscaria sua pupila, não hesitou em roubar-lhe a festa. “Faltam apenas cinco meses e dois dias”, disse, olhando firme para uma Dilma que, minutos antes, mesmo com um discurso menos técnico, feito sem teleprompter, não conseguiu animar a platéia. Já Lula, mal terminava um parágrafo, tamanha a efusão de aplausos, gritos, palavras de ordem. O que ele dizia não interessava muito. Valia só a emoção pura.
E Lula se deliciava.
Na TV Record, as lágrimas foram ainda mais abundantes. Chorou ao falar do empréstimo do BNDES à cooperativa de catadores de lixo de São Paulo. Na mesma entrevista, aí sem engasgos e com tom ameaçador, fugiu de responder à questão sobre as seis multas que recebeu do TSE. Preferiu desqualificar a revista Veja: “Não vejo essa revista”.
E foi mais longe. Depois de criticar os veículos de comunicação – “se dependesse de alguns eu teria zero na pesquisa” – não conseguiu disfarçar que entende como utilitária a relação com a imprensa: – “não preciso deles para nada”, disse, referindo-se à Veja. O que isso quer dizer? Se precisasse seria diferente?
As críticas mais amiúde à imprensa, a aposta do “nós”, o bem, contra “eles”, o mal, não são novidade. Agora, acrescentam-se as lágrimas. A incomensurável tristeza de um presidente, o mais popular que o país já teve, a quem a lei de um país democrático usurpou o direito de concorrer a um terceiro mandado.
Não passam de lágrimas de crocodilo.
1º de agosto de 2010.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat
Eu estava pensando exatamente nas lágrimas de crocodilo antes de ler a conclusão da sua excelente análise. E pensar que elas já me enganaram um dia!