O perigo pode morar nas flores, é o que constatei recentemente. Quando alguém abre a porta e, do outro lado, surge um braço carregando um buquê, é certo que corações se derretam. Quem envia expõe sua gentileza e homenageia quem recebe com o melhor de sua humanidade. Flor combina com tudo de belo e bonito que conhecemos e sonhamos. Lembro-me de dois brasileiros craques na modalidade de presentear com flores. Um era Carlito Maia, mineiro morador de São Paulo: todo artista de sua terra natal que fizesse alguma apresentação em território paulistano se deparava, ao chegar ao camarim, com um ramalhete de perfume e beleza.
Outro é o nosso Sinval, que é Leão no nome, mas carrega, em lugar de juba, uma ramada de cortesia. Foi com esses, e certamente com o Tavinho Moura, orquidófilo e passarinheiro musical, que aprendi a buscar nas flores a melhor prenda a oferecer. Mas, mesmo em matéria de orquídeas e violetas, todo cuidado é pouco.Pequenos gestos de delicadeza podem gerar conflitos e mal-entendidos.
A pedido de minha filha, fui ao encontro do território das folhas e das pétalas. Levava comigo um cartão, em que ela escrevera uma dedicatória para a sua amiga, que aniversariava naquele dia. Por estar viajando, ela não sabia se voltaria a tempo para a comemoração. Ao lado do cartão, eu levava o endereço da entrega e até o roteiro para se chegar lá. A rua e o bairro são conhecidos, não seria necessário tanto cuidado. Mas eu passei tudo isso para o funcionário que me atendeu.
Tive o cuidado de escolher um exemplar que fosse belo e duradouro e, ao mesmo tempo, coubesse em uma caixa e pudesse ser transportada no bagageiro de moto sem machucar. Aquela perfeição, aquela formosura, aquela lindeza plena de frescor certamente ajudaria a embalar o dia da aniversariante.
Eu não contei com a possibilidade de descuido do florista, que não pôs o cartão na caixa das flores ou não o grampeou. Eu sempre confiro se o envelope está firme entre as flores. Assim, o motoqueiro entregou as orquídeas “ sem retrato e sem bilhete”, como diz a canção de Noel Rosa.
Imagine a situação. O marido manda as suas flores e a mulher recebe duas, uma sem indicação de procedência, anônima. Se se tratasse de pessoas não civilizadas, a cizânia estaria instalada.
Não foi, não deve ter sido, o caso. Mas sempre fica um certo incômodo no ar. A sorte foi que, no meio da noite, na hora da festa, quem mandara as flores, chegando mais cedo de viagem, apareceu. E foi logo perguntando à aniversariante se ela gostara das flores. Alívio geral no campo e na arquibancada, sorrisos e brindes.
Fica uma lição para mim, que repasso para vocês: confiram tudo ao enviar presentes, para que as flores do bem não se transformem em flores do mal.
Agosto de 2010
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas