América

Não a do sul, do norte ou central. É o time que se instalou em minha vida quando eu nem tinha nove anos e andava despreocupada meninice pelas ruas capistranas de Diamantina. Antes dele houve o Oásis, modesto adversário do poderoso Tijuca, que até sede própria tinha, no centro da cidade. No campo do batalhão da PM, sentado no barranco que servia de arquibancada, desfrutei momentos emocionantes que, hoje eu sei, não passavam de aguerridas peladas. Havia mais suor do que talento. Com exceções, como o Torrô, que era o senhor dos jogos, mas se desmanchou diante de meus olhos ao chorar feito criança na morte de seu pai. Um susto para mim.

Pela Rádio Nacional, o Brasil ouvia música, novela e futebol. Vem daí minha admiração por Castilho, Veludo, Píndaro, Pinheiro, Telê, Valdo, Didi e Escurinho. Pelas ondas do rádio eu acompanhei o surgimento de uma máquina de futebol, é o que berravam os locutores e comentaristas esportivos: o América carioca, de Martim Francisco, Canário e Alarcón, revolução que abriria para nós as portas para a conquista da Copa de 1958. A equipe rubra massacrava seus adversários fossem Fla, Flu, Botafogo ou Vasco.

Essa máquina veio jogar em Belo Horizonte contra o América daqui. Eu só soube o resultado no dia seguinte, lendo O Diário católico: vitória mineira. A semente de amor se alojou em mim. Meses depois, morando na Capital, fiquei conhecendo outros americanos e fui, enfim, conhecer o estádio do Independência. Ao lado do amigo Pescoço assisti ao meu primeiro América e Atlético.

Não tenho ídolos, mas admiro pessoas pelo caráter e pelo que realizam. Eu vi o Zuca driblar quase todo o time do Atlético e marcar um gol inesquecível, trinta segundos após o Gunga empatar o jogo para nós. Assisti comovido à estréia da dupla Jair Bala e Dario, os passes de Juca Show, os dribles de Ari, as defesas do cavaleiro negro Jardel, a inteligência de Samuel, Flávio e Amarelinho.

Para chegar às vitórias, os americanos sempre passam por muito sofrimento. Somos uma gente que ama o futebol, mas não gosta nem um pouco de violência. É só um jogo, que traz tristeza ou alegria momentâneas. Nossa torcida não atira pedras, recebe com civilidade os que nos visitam e ostenta nomes como “torcida desorganizada avacoelhada”. Quem dirige o clube traz o mesmo espírito de menino que ama seu time e o conduz com integridade e competência.

Por isso o Coelhão voltou, para ficar onde deve. E aí vai a letra da canção que eu e o Tavinho Moura um dia fizemos para cantar esse nosso amor:

“Meu coração é verde e branco/ e assim o jogo está em minhas mãos. / Sou americano, sim, desde menino/ eu grito é gol, é gol/ Para sempre vou viver cantando/ é do América o meu coração/ é do América o meu coração/ Na grama verde a vida sonha/ e a bola branca beija a rede da paixão/ Quem americano é sabe o caminho/ e grita é gol, é gol, é gol/ Para sempre vou viver cantando/ Deus salve o América/ Deca-campeão/ Deus salve o América/ nosso campeão.”

Esta crônica foi originalmente publicado no Estado de Minas, em novembro de 2010.

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