Há dezenove anos, publiquei, em um jornal de Belo Horizonte, uma crônica que – pensei – retratava momentos do cotidiano familiar. Recebi, de uma especialista em Educação, uma carta indignada, me acusando de deseducar meus filhos e de influenciar leitores e leitoras –sobretudo leitoras – de famílias bem formadas que porventura me lessem. Tanto tempo depois, insisto. Na crônica e no cotidiano.
Se o pai viajava, meus filhos buscavam meu quarto. Os pequenos.
– Esses dois gostam de dormir comigo, eu pensava.
Minha primeira viagem me desmentiu. Os malandros alojaram-se com entusiasmo ao lado do pai e ainda confessaram torcer para que eu me demorasse:
– A gente adora essa cama, pai.
Quando um deles adoece, o sadio logo propõe:
– Mãe, você não acha melhor dormir na minha cama hoje? A gente troca. Assim, você não precisa ficar levantando a noite inteira por causa de termômetro, remédio, água, essas coisas.
Finjo não perceber a esperteza e eles fingem não perceber que percebi.
Ainda que a cama pareça encantada, nem tudo dá sempre certo.
Na última noite em que dormiram comigo, há poucos dias, o mais novo acordou assustado:
– Tive um sonho horrível com a tia Delza, mãe. Ela morreu e a gente tava lá no velório. Aí ela acordou, levantou, saiu do caixão e ficou conversando com a gente. Tudo normal, sabe? A gente continuou naquele velório de caixão vazio, conversando com ela e tudo.
– E a gente conversava o quê, filho?
– Ah, a gente falava dela, da morte dela, das pessoas que chegavam, que choravam.
Disse-lhe o que me ensinaram no tempo em que eu procurava a cama da minha mãe: sonhar com morte é sinal de saúde.
– Sua tia deve estar ótima, lá na casa dela, trabalhando, cuidando das verduras, das frutas, das flores.
– Mãe, se lá na fazenda tivesse telefone, eu ia telefonar.
– Pra falar o quê, filho?
– Duas coisas. A primeira, saber se a tia Delza tá legal mesmo.
– E a outra?
– Ah, mãe, eu queria falar com ela que nunca pensei que fosse ter um sonho desses logo na sua cama.
3/2/1991
As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial). Com a autorização de Vivina e de Leonel, estou aproveitando o trabalho dele e republicando também aqui os textos.