o velho saiu e pode-se vê-lo da janela, cuidando de flores. continua com seu hábito antigo. jamais plantou ou plantaria uma flor; apenas cuida delas, tirando-lhes as pragas, podando-as, ajeitando-lhes as hastes de suporte e, vezes outras, tão só admirando-lhes o colorido. disse um dia meu pai que a ele bastou que apenas uma semente sua tivesse germinado; mais de uma consciência a pesar-lhe nos ombros se tornaria um peso duas vezes além do suportável.
o menino brinca lá embaixo com os amiguinhos, e por seus gritos que cortam o espaço como estridentes cantos de gaviões, devem estar se divertindo na cachoeira.
então percebo que não há para mim outro caminho se não o dessa curta permanência solitária. idéias desorganizadas tecem dentro do meu peito uma coreografia confusa que busca rigor. sento-me com meus papéis e resolvo que vou escrever um livro. um livro que fale dos vapores sufocantes que me rodeiam e das lavas incandescentes que ameaçam irromper de dentro de mim. e, sobretudo, da tênue, desesperada e fugidia relação que parece existir entre o que está ao meu redor e o que trama clandestino no meu miolo.
mas, se há intenção para um livro, não sinto em mim o falo que desvende minha vontade e venha depositar, no ventre do meu perturbado universo particular, o sêmen fecundador. prazos diferentes são os prazos da autofecundação.
sinto que há, nisto tudo que pretendo, um caco de destino e, sendo eu paciente, hei de cumpri-lo. mas nem é ainda meu cio. há perturbações apenas, umas envolvendo meu instinto, vivo desde antes da pré-história do homem, outras dando ferroadas na razão recém-nascida e tão ainda aprendiz.
devo esperar. esperarei. resolvo iniciar a rotina do almoço. e que cantam as canções sugestivas das panelas? cantam que tenho já uma pergunta para tentar responder com meu livro:
como conciliar o que está dentro com o que está fora?
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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