A contradição ambulante

 Me fascinam os antônimos, as idéias antípodas.

 “Time is a jet plane, it moves too fast.”  “Time passes slowly when you’re lost in a dream.”

É fascinante que o mesmo sujeito tenha escrito isso – embora Bob Dylan na verdade não seja um sujeito só, seja na verdade uns quatro, ou cinco, ou mais MIBs, ETs, que baixaram na Terra num corpo só.

“A vida é curta demais” – o truísmo passa a ter um significado novo com o que diz Paul McCartney sobre o tempo que perdemos com pequenas besteiras, imbecilidades, um belo poema embalado com a linda melodia de “We Can Work it Out”. “Cruzes, que vida comprida, pra que tanta vida pra gente desanimar?”, dizia Chico Buarque, mais ou menos na mesma época, a segunda metade dos anos 60, quando éramos jovens e nossos desejos eram mais fortes, como Humberto Werneck gostava de dizer citando Marisa, sua mulher.

Pouco depois, em 1973, Raul Seixas e o mais tarde tornado outra coisa completamente diferente Paulo Coelho escreveram “Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, “Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes”. A letra fantástica da canção seria depois esmerdeada por um político populista, falastrão, mentiroso, que, em vez da metamorfose ambulante de que falavam Raul e o jovem Paulo Coelho, é na verdade um camaleão, que tem a cara e o discurso sempre prontos a parecer aquilo que a platéia quer ouvir, de tal forma a obter dela o aplauso e o voto para que permaneça no poder, haja o que houver, custe o que custar.

Na mesma época em que Raul e Paulo Coelho escreveram a canção que o embuste tomou para si, esparzindo meleca sobre o que era poesia, Georges Moustaki se definiu pelos antagonismos, fez uma profissão de fé nos antônimos, na canção “Je suis un autre”:

“Je suis un débutant aux tempes qui blanchissent
Un beatnick vieillissant patriarche novice
Jardinier libertin aux goûts d’aventurier
Voyageur immobile et rêveur éveillé
Je suis de ces lézards qui naissent fatigués
Un optimiste amer un pessimiste gai
Un homme d’aujourd’hui à la barbe d’apôtre
Je peux être tout ça pourtant je suis un autre.”

Meu Deus do céu e também da terra, que monte de imagens maravilhosas – debutante com os cabelos grisalhos, beatnik envelhecido, patriarca noviço, viajante imóvel, sonhador acordado, otimista amargo, pessimista alegre, homem de hoje com a barba de apóstolo.

Há os antônimos sobre as coincidências. “Coincidências não existem”, dizem que Gustav Jung dizia. “Deus está nas coincidências”, dizia Nelson Rodrigues. “As coincidências são a forma de Deus se manter anônimo”, cita Jane Fonda, em sua autobiografia, sem dizer o autor da frase maravilhosa.

E há o antônimo extraordinário sobre viagem ou não viagem, que de novo os mesmos velhos ídolos expõem. Acho esta uma das mais fascinantes, emocionantes contradições que há, cada ponto de visto exposto com uma escolha de palavras de deixar qualquer pessoa que admire as palavras zonzo de inveja por não ter escrito.

Para George Harrison, na letra de “The Inner Light“, não é preciso sair de casa, sequer olhar para fora da janela, para saber tudo sobre o mundo, e quanto mais uma pessoa viaja, menos ela conhece. Para Moustaki, na letra de “Il Faut Voyager“, é preciso viajar, é preciso botar o pé na estrada, ir lá num lugar onde não se conhece nada, falar outra língua, ouvir outros ruídos, provar outras frutas, dormir em outros braços.

“Without going out of my door
I can know all things on earth
With out looking out of my window
I could know the ways of heaven.
The farther one travels
The less one knows
The less one really knows.”
         E:

“Il faut voyager, Il faut s’en aller là où l’on est personne, là où l’on ne sait rien. Parler une autre langue, entendre d’autres bruîts, goûter à d’autres fruits, vivre d’autres legends. Il faut voyager, Il faut s’en aller, se perdre au bout du monde. ”

15 de outubro de 2010

Um comentário para “A contradição ambulante”

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *