A caneta do Oscarito

Se gostasse de exatidões, eu diria que há dezenove anos, em 1991, dediquei esta crônica a minha irmã mais nova, evocando nossas histórias de crianças. Tempos depois – 1997 – aos 51 anos, ela se foi para sempre. Sobramos, a crônica e eu.

A garota ainda não tinha sete anos, quando a mãe lhe deu uma caneta de presente. Caneta-tinteiro, verde, inglesa, pequena. De criança.

O gesto da mãe repetia um ritual familiar vivenciado pelos irmãos mais velhos, quatro: a primeira caneta-tinteiro inaugurava oficialmente a vida escolar.

 A garota, caneta guardada no estojo, passava a maior parte do tempo brincando com o vira-lata da casa. Branco, peludo, inteligente, simpático. Poderia ter se chamado Banzé, Serelepe, Vigarista, Perigo. Escolheram Oscarito.

 Oscarito era caçador briguento e amigo sossegado.

 Metido a valente, costumava amanhecer com o focinho cheio de espinhos de ouriço-cacheiro. Espinhos finos e miúdos, que o pai da garota extraía pacientemente, um a um, com sua torquês de estimação.

 Metido a doméstico, costumava se aconchegar debaixo das mesas, enrolado entre pernas familiares, ou em cima do rabo do fogão de lenha, calor suave, brasas agonizantes.

 Um dia, valente e doméstico, Oscarito aproveitou-se da distração da criança que, debaixo de uma mangueira, cantarolando – “ciranda, cirandinha” – brincava com lápis e papéis. Pertinho, no estojo aberto, a caneta.

 Quanto conseguiu alcançar o amigo, longe, debaixo do abacateiro, a garota percebeu que a caneta, marcada para sempre, trazia o carimbo dos dentes dele, dois. Dentes pequenos, de cachorro criança.

 A garota quase não usou a caneta. Nem um tinteiro inteiro. Cedo ainda, sua geração conheceu – e adotou – esferográficas e lapiseiras.

 Há pouco tempo, adulta, professora, ela descobriu que uma de suas irmãs costuma se emocionar com histórias de canetas. Ou com canetas de histórias.

 A Esterbrook pequena, verde, amassada, carimbada, mudou de casa e de dono.

 O nome – caneta do Oscarito – continua.

 13/1/1991

As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial). Com a autorização de Vivina e de Leonel, estou aproveitando o trabalho dele e republicando também aqui os textos.

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