Historinhas de redação (1): Bob Kennedy baleado

Histórias de redação, de jornalistas, são sempre saborosas. Dezenas de vezes, na cachaça pós fechamento, defendi a tese de que deveríamos escrever as histórias, para não perdê-las. Foi muito antes que eu fizesse a tradução livre da expressão “Verba Volant, Scripta Manent” para “Se não anotou, dançou”, mas eu já tinha a noção certa. Como era jovem, no entanto, a intenção não virou gesto – e deixamos de escrever o livro que poderia ter sido um best-seller – pelo menos nas 4.437 faculdades de jornalismo existentes no país.

Como sou persistente, anotei, muitos anos depois, algumas das historinhas. Podem parecer histórias de pescador. Mas juro de pé junto que não inventei nada para glamourizar os fatos; tudo é exatamente o que me lembro que aconteceu, sem enfeite.

Agora que tenho este site, continuo insistindo com os amigos para que lembrem de outras histórias e escrevam sobre elas. Valdir Sanches já me mandou algumas. Vamos ver se dá em alguma coisa.

Lá vai a primeira.

  Bob Kennedy, papel higiênico, Ahmedinejad

No dia em que balearam Bob Kennedy, a chefia de Reportagem do Jornal da Tarde mandou o Miguelão, munido de telegramas que descreviam a trajetória das balas, conversar com especialistas no Hospital das Clínicas. O jornal queria dar uma explicação didática para os leitores sobre o que poderia acontecer com ele: haveria chances de que sobrevivesse? Se sobrevivesse, teria seqüelas? De que tipo?

Quando Miguelão voltou do HC, a Redação ficou em silêncio. Todos queriam saber o diagnóstico dos especialistas.

– E aí, Miguel? – perguntou o editor, depois de algum tempo, para desfazer o suspense.

Miguelão deu uma risadinha e sentenciou, com o vozeirão possante:

– Se não morrer, fica goiaba.

 * * *

Anos mais tarde, Miguel tinha subido muito na vida e era o editor-chefe do Estadão, agora instalado no novo prédio, junto à Marginal do Tietê. Numa reunião com editores, discutia-se corte de despesas. Para exemplificar que no prédio novo os gastos tinham aumentado explosivamente, Miguel falou dos rolos de papel higiênico, agora muito mais numerosos que antes, pelo fato de haver muito mais banheiros que na Major Quedinho. Alguém protestou contra o argumento:

– Péra lá, Miguel. O número de bundas não aumentou.

E ele, de bate pronto:

– Não, mas aumentou o número de banheiros e o de rolos. E cês sabem, né? Rolo aberto é rolo gasto!

Mais alguns anos, e Miguel se tornou ministro do governo Lula.

Hoje está nas primeiras páginas dos jornais, entregando uma camisa da seleção brasileira a Mahmoud Ahmedinejad, o líder da ditadura teocrática iraniana, sorrindo deslumbrado como colegial que consegue posar ao lado do ídolo.

Postado em 14/4/2010

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