O belo som do Paranga, com cheiro de interior

O show deveria ficar duas semanas no Lira Paulistana. O teatro lotado em todas as apresentações, no entanto, fez o grupo Paranga permanecer também a semana passada, e mais esta, a quarta semana consecutiva, até o domingo, dia 3 (de julho de 1983), sempre às nove da noite, com o espetáculo de lançamento do seu primeiro LP, Chora viola, canta coração.

Nada mais merecido, este sucesso. O show é bonito, bem feito, agradável. E, como tantos outros conjuntos e aristas surgidos em São Paulo nos últimos quatro anos a partir da fábrica de divulgação de talentos que é o Lira Paulistana, o Paranga é uma grata revelação. Embora o grupo já exista desde o final da década de 70, tenha chegado a gravar um compacto pela extinta Bandeirantes Discos em 1980, e já se tenha apresentado no ano passado (1982) no próprio Lira e na Funarte, só agora chega ao primeiro LP e a uma temporada de maior duração.

O som do conjunto se baseia em um dos veios mais ricos e, no entanto, menos explorados da música popular dirigida ao consumo de massas: a música “caipira” do interior de São Paulo. Os sete integrantes do conjunto são de São Luís do Paraitinga, no Alto Vale do Paraíba, uma cidade pequena, de uma região onde expressões artísticas populares ainda resistem ao processo de invasão dos padrões ditados pelos grandes centros.

O grupo foi buscar com os violeiros e cantadores da zona rural dos municípios como Cunha, Natividade da Serra, Lagoinha e São Luís do Paraitinga (ou Paranga, num apelido carinhoso) melodias que não eram conhecidas sequer nas áreas urbanas desses lugares. Por outro lado, tinham na própria casa um inesgotável material: o pai de quatro dos componentes do grupo é Elpídio dos Santos, um pesquisador do folclore da região e autor de quase duas mil músicas (algumas delas já gravadas por vários artistas, e mais conhecidas que o nome de seu autor, como “Você vai gostar” e “Cai sereno”).

Além de músicas de Elpídio dos Santos e de outras recolhidas no Vale do Paraíba, o repertório do Paranga inclui canções de compositores novos de São Luís do Paraitinga – como Marco Rio Branco, que tem uma participação especial no show – e outras dos próprios integrantes do conjunto. As composições recentes procuram seguir o estilo das antigas, com uma linguagem contemporânea. É um trabalho que lembra muito o de Renato Teixeira, também criado no Vale do Paraíba e o principal compositor da música brasileira consumida pela elite que usa o estilo da música “caipira”. (Não é coincidência, assim, que tenha sido Renato Teixeira o descobridor do Paranga; Renato ouviu-os em um festival regional em Taubaté, e levou-os à Bandeirantes Discos.)

Para qualquer pessoa que associar folclore, tradição popular, música “caipira”, a algo rançoso, antigo, tristonho, a música do Paranga será absolutamente surpreendente. É uma música alegre, jovial, bem-humorada – e contagiante, como comprova a reação do público no show.

A primeira parte do show é centrada em músicas mais lentas, principalmente modinhas de viola, com alguns valseados e valsas caipiras. As melodias são simples, bonitas, agradáveis. E os arranjos se adequam a elas com perfeição, à base de violões, violas, às vezes bandolim e cavaquinho, e percussão (com destaque para os solos de Negão, que toca violão e cavaquinho). Todos os sete membros do conjunto cantam, embora na maioria das músicas os vocais fiquem por conta das três moças, Nena, Parê e Renata, e por dois dos rapazes, Vão e Pio. Cada uma das moças canta sozinha pelo menos uma música, e todas têm vozes afinadas e corretas (Nena, por exemplo, está muito bem ao solar um simpático samba de breque de Marco Rio Branco em homenagem às cantoras de rádio da década de 50). Mas o melhor do conjunto, na parte vocal, é a harmonia que conseguem quando cantam juntos os cinco principais vocalistas.

Na segunda parte do show (depois que o público é convidado a tomar, no intervalo, uma – boa – cachaça de São Luís do Paraitinga), o grupo passa a apresentar músicas mais rápidas, em um clima carnavalesco: são xotes e frevos (bem diferentes dos frevos pernambucanos, com uma marca distinta, de andamento um pouco mais lento e muito bonitos). O show ganha em ritmo e animação, embora a parte vocal caia um pouco (nas músicas mais rápidas, com maior volume da percussão, perde-se um pouco no entendimento das letras). Isso, no entanto, de forma alguma chega a comprometer o show.

E a impressão que fica é de que o espaço do Lira Paulistana será pequeno para o próximo show do Paranga. Como várias outras revelações do Lira, a partir de agora o Paranga precisará de teatros maiores para acomodar seu público. Nada mais merecido.

Esta resenha foi publicada no Jornal da Tarde em 30 de junho de 1983, com o título “Um sucesso. E é isso mesmo que o belo som do Paranga merece”.

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