Moraes Moreira versão 1981, descartável e gostoso

Moraes Moreira, o LP que a Ariola acaba de lançar (este texto é de 1981), é um disco excelente para quem gosta de Moraes Moreira. Não tem surpresas, imprevistos, mudanças, novidades. Quem gostou dos últimos não ficará decepcionado com o novo; ao contrário, poderá dançar à vontade com esta versão 81. Quem não gostou, que dance, diriam os milhares de jovens fiéis seguidores desse som que mistura rock, frevo, samba, choro, passo doble, uma pitadinha de discotheque, e o que mais aparecer.

É justamente nessa mistura de ritmos e influências que está o segredo da fórmula usada por Moraes Moreira. E é uma fórmula que deu certo: ela faz dançar jovens em bares e festas, no Baixo Leblon, na terra da garoa, pelo País afora, nas ruas de Salvador em dia de carnaval, em festivais de jazz em São Paulo ou na Suíça. Com tanto sucesso, para que mudar a fórmula?

Mesmo porque é uma fórmula de fato alegre, gostosa, despreocupada, leve, livre e solta. Necessária, portanto.

Esse som começou a ser produzido em 1969, nos momentos seguintes à explosão do tropicalismo, por um grupo de jovens irrequietos: Moraes, Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Baby Consuelo, Pepeu Gomes & amigos, os Novos Baianos. No início, faziam mais rock, um rock forte, anárquico. Poderiam ter prosseguido nessa trilha, apenas – e, certamente, se tivessem prosseguido nela, teriam-se transformado em um conjunto inexpressivo, mera cópia de fórmulas importadas. Mas aí, em 1971, surgiu João Gilberto na trajetória do grupo (ele é conterrâneo e amigo antigo de Galvão, o na época principal letrista e uma espécie de mentor dos Novos Baianos). João conviveu com eles durante algum tempo no Rio, e redespertou neles a paixão pela brasilidade do cavaquinho, da cuíca, do pandeiro. Desse encontro com o mágico da bossa nova surgiu Acabou Chorare, de 1972, certamente um dos discos mais interessantes de MPB nos anos 70.

Porque eles passaram a fazer uma música fácil, gostosa, dançável, aberta a todas as influências e mesclando-as no mesmo caldeirão sonoro: rock, samba, carnaval, trio elétrico, Bahia, Nordeste. Utilizando as influências criativamente, e não fazendo uma cópia passiva. Separados os Novos Baianos, essa fórmula sem preconceitos passou a ser usada por todos os seus filhos – Pepeu, Baby, Paulinho, a Cor do Som, e o mais bem-sucedido de todos, Moraes Moreira.

A fórmula foi seguida à risca neste Moraes Moreira, que poderia perfeitamente se chamar Bazar Brasileiro, o título do penúltimo LP do cantor e compositor. Como o penúltimo, e o anterior, e o anterior, o novo LP tem de tudo. Tem carnaval em “Dodô no céu, Osmar na terra”, uma bela homenagem aos criadores do trio elétrico. Tem sambão rasgado em “A Terra é boa”, letra do velho parceiro Galvão para a música de Moraes. Tem frevo em “As quatro curtições do ano”, parcialmente falado no dialeto de uma parte da juventude do País (“Transando o corpo e a cuca numa naice, com a rapeize do Arpex”). Tem sintetizadores de discotheque e muitos instrumentos de sopro em “Bateu no paladar”, fazendo lembrar o Gilberto Gil fase Earth, Wind and Fire. Tem até uma música inteiramente cantada em idioma africano, “Paxarô”; não se entende absolutamente nada, mas o som é muito bonito.

Nada brilhante, extraordinário, marcante, duradouro. Mas tudo agradável, feito com competência, é bom que se diga. Meio repetitivo, nada revolucionário. Mas alegre, gostoso, quente – perfeito para o verão que começa.

         Este texto foi publicado no Jornal da Tarde em 12 de novembro de 1981

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