Entre uma música e outra, no show de sexta-feira da semana passada, no Teatro Bandeirantes, e que o Canal 13 mostra hoje (dia 26 de dezembro de 1981) às 17h30, um dos músicos do Premeditando o Breque pediu aos programadores das emissoras de rádio que dessem uma chance aos novos: “As rádios ficam tocando só o Premeditando, o dia inteirinho; assim não dá, temos que deixar espaço para o pessoal novo aparecer…”
A platéia riu muito da piada amarga.
Quem perde com o descaso das emissoras de rádio para com o grupo é o público. Porque a música que eles fazem é – além de alegre, bem humorada, irônica, forte, comunicativa – extremamente competente.
Seu primeiro LP, Premeditando o Breque (produção independente, é claro, com o selo Spalla), é um dos melhores discos brasileiros lançados este ano. Tem de tudo: samba, choro, samba de breque, rock, música sertaneja, música do tipo “povão”, uma pitadinha de música erudita, sons de vanguarda, ruídos e citações que vão de Gilberto Gil e Arrigo Barnabé. Os cinco moços (Biafra, Claus, Igor, Marcelo, Vanderley, com média de idade de 25 anos) conhecem o assunto. A maioria passou pelo curso de música da ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), dois deles tocam também na Orquestra Sinfônica Juvenil do Estado, outro rege um coral. Cada um toca diversos instrumentos.
Utilizando essa salada musical, eles fazem letras bem-humoradas, irônicas, gozativas – e produzem, com isso, a mais aguda sátira aos costumes da classe média já feita na música brasileira desde que Caetano Veloso e Gilberto Gil abandonaram o tropicalismo.
É o caso, por exemplo, de “Fim de Semana”, um rock que descreve a ida de uma família – o jovem, a irmã, o pai, a mãe, o avô, a avó, o cachorro e a televisão – à Praia Grande, “tudo num fuscão, trilegal”. Ou de “Feijoada completa”, engraçadíssima brincadeira sonora que termina em dispensáveis ruídos escatológicos. Ou ainda de “Conflitos de gerações”, conversa do pai dominador e autoritário com o filho “tão novinho”, que “só tem 30 anos”.
Há excelentes piadas musicais, como a “Marcha da Kombi”, marchinha sobre o sujeito que compra “uma Kombi meia seis” de um japonês, que anda sozinha para o Ceasa. Ou “A esperança é a última que morre?”, com violas e vozes à lá música sertaneja, que descreve as peripécias de uma paixão não correspondida. Esta letra, em especial, é inspiradíssima.
Parodiando o início de “Aquele Abraço”, de Gilberto Gil, a faixa “Nunca” começa com um batuque de samba, enquanto um dos componentes do grupo diz: “Esta música vai para Maria Isabel, vai para Maria Ambrósia…”, e prossegue durante um longo tempo recitando um rol de marias. Então, de repente há um corte, e começa uma música do tipo “povão”, essas de Lindomar Castilho e coisa parecida: “Desde o dia em que tu foste, e eu te vi naquela pôster colorido e irreal…” Entremeando a sátira, no entanto, surgem, inesperadamente, cortes vanguardistas, com um coral feminino imitando o som da Banda Sabor de Veneno, de Arrigo Barnabé.
Falando sobre Caetano Veloso, o jornalista Paulo Francis uma vez afirmou que, para ser iconoclasta, para inovar, o artista precisa saber fazer muito bem o convencional que pretende destruir. Os rapazes do Premê demonstram esta teoria na prática: depois de satirizar tudo e todos, passeando por diversos gêneros musicais, eles apresentam sambas e choros em três (digníssimas) faixas instrumentais. Ou “iletradas”, como eles definem, como sempre, com bom humor, no encarte.
Esta resenha foi publicada no Jornal da Tarde no dia 26 de dezembro de 1981