Ângela

No começo dos anos 90, Ângela Maria estava em um período longe dos holofotes. Lucy Dias quis entrevistá-la para a Marie Claire, que, esta sim, estava no auge do brilho, nova, inovadora, com uma redação de mulheres tão talentosas quanto aguerridas, sob o comando de Regina Lemos.

Lucy Dias editava Comportamento, e fazia a principal entrevista de cada número da revista. Com uma sensibilidade incrível, única, era uma entrevistadora sem igual. Conseguia ir até a alma do entrevistado, e deixá-lo à vontade, livre leve solto.

Em geral não fazia a entrevista de uma só vez. Visitava o entrevistado uma, duas, três vezes.

Não me lembro por que conjunção de fatores, uma das vezes em que se encontrou com Ângela Maria foi na sua própria casa – a dela, Lucy, não a da cantora.

Depois Lucy nos contaria a história – e colocaria no seu texto brilhante de introdução ao pingue-pongue, o pergunta-e-resposta.

Ângela, aquela figura baixinha, mignonzinha, estava sentada em uma poltrona da sala do apartamento de Lucy na Cristiano Viana, em Pinheiros, e respondia a alguma pergunta, e contava um caso do passado, e dentro do caso havia um momento em que ela cantava “Babalu”. E então abriu a voz e cantou o refrão de “Babalu”, para ilustrar o caso que estava contando.

Lucy Dias quase caiu da cadeira – literalmente.

O prédio inteiro ouviu a voz de Ângela Maria cantar “Babalu”.

Se Fernanda estivesse em casa, na João Moura, uma quadra abaixo, teria ouvido Ângela Maria cantar “Babalu” à capella, sentada em uma poltrona na sala de Lucy Dias, para ilustrar um caso que contava.

Cada um de nós vai ficando menor, menos rico, sem essa arte. Sem Tito Madi, que se foi ainda outro dia mesmo, sem Ângela Maria.

O Brasil fica ainda mais triste.

30/9/2018

Um comentário para “Ângela”

  1. Por pouco não posso dizer que assisti a Ângela Maria no palco. Fui com minha turma ao teatro ver uma atração internacional, em uma época em que nos ofereciam, como preliminar, um artista nacional.
    Abrem-se as cortinas, ouvimos Ângela Maria. “Lá lá riii, lá lá riii.” Frisson na casa. E entra William Fourneaut, grande imitador.
    Esse episódio que você conta, e como você conta, da Ângela Maria “à capella” é delicioso.
    Eu também gostava muito da interpretação intimista do Tito Madi.

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