On s’emmerde

zzchaplin

Limpámos das nossas vidas o cheiro acre e obsceno do ciúme e o gárrulo cheiro a pólvora da vingança. Resultado, e perdoem o meu francês, on s’emmerde.

Hollywood era, nos anos 20, a vida. Com comédias de Chaplin e westerns de Thomas Ince. Do vivíssimo Chaplin lembramo-nos todos. De Ince, se no imaginário popular resta uma nota de rodapé, é para recordar em sumidas letras o mistério da morte.

Vamos a factos. Havia uma mulher, Marion Davies. Era bela sem ser assim tão bela, mas era a mais bela das mulheres para W. R. Hearst, dono do maior império de media do mundo. Um aviso: Hearst manipulava presidentes, quanto mais Hollywood.

Volto a Chaplin. Era amado, fartava-se de amar. Amante heterodoxo, se pensarmos que amou meninas de 15 anos (estou a fazer vista grossa), o que o forçou a casamentos trágicos, disfarçando em conservatórias o que não podia disfarçar em maternidades.

Regresso a Hearst. A amada Marion tinha o fugaz talento de figurante, mas Hearst comprou um estúdio para ela ser leading lady. Na intimidade, Hearst chamava “rosebud” à delicada parte dela a que, em estado exaltado, chamamos outra coisa. Era uma dourada tonelada de devoção. Há uma regra de três simples que ao ouro e amor junta um terceiro termo, a fidelidade. O diabo é aparecer o indeterminado quarto termo. Ora, um jornal rival insinuou que Marion e Chaplin tinham sido vistos juntos. O rumor sobre o que estariam a fazer um ao outro não era de molde a que Hearst balbuciasse um lírico “rosebud”.

Como se aplacam ciúmes? Um rico e poderoso dá uma festa. Hearst juntou 30 convidados no seu iate. Chaplin, claro. Hearst queria ver o palhaço com Marion e perceber a química. O chato dos iates dos ricos é serem gigantescos. E a química levou Marion e Chaplin para a ponta que se sabe daquele Titanic. A Hearst caiu-lhe mal a química. Foi buscar o revólver de ouro com que abatia cegonhas e disparou um reparador tiro na nuca de Chaplin.

Teria mudado a história do cinema, se fosse Chaplin. Entretanto chegara Thomas Ince, também convidado. No crepúsculo, de costas, Hearst tomou Ince por Chaplin e acabou ali com a carreira do produtor que inventou o western. Foi mesmo assim? Um pacto de silêncio enterrou Ince e o mistério nas trevas do tempo. Permanecer segredo é garantia de que ninguém do nosso SIS lá estava.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

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