No clichê abaixo…

Adoro a expressão: “No clichê acima, um aspecto de…” tal e tal coisa.

Coisa antiquíssima. Pouquíssima gente hoje sabe o que isso significa; pode-se até dizer ninguém, no lugar de pouquíssima gente.

Clichê era o termo jornalístico usado, muitíssimo antigamente, para designar foto. Ou qualquer tipo de ilustração.

Ou, mais precisamente, conforme explica o Aurélio: “Placa fotomecanicamente gravada em relevo sobre metal, usualmente zinco, a traço ou a meio tom, para impressão de imagem e textos por meio de prensa tipográfica”.

Conta-se, por exemplo, a história de um jornal de Belo Horizonte que noticiou um incêndio na Praça Rui Barbosa. Na falta de uma foto do incêndio, o bravo periódico publicou uma foto de Rui, o Águia de Haia, e, abaixo dela, a legenda fantástica, inacreditável, que dizia mais ou menos o seguinte: “No clichê acima, Rui Barbosa, que dá nome à praça desta capital onde ocorreu terrível sinistro”.

Sempre quis usar a expressão. Então lá vai: no clichê acima, um aspecto do motivo pelo qual este 50 Anos de Textos deixa de publicar, por duas semanas, o já tradicional “As Más Notícias do País de Dilma”. E, last but not least (muitíssimo ao contrário de least), o motivo pelo qual deixou de republicar o artigo dominical de Mary Zaidan do Blog do Noblat. De férias de dez dias diante da paisagem mostrada no clichê acima, Mary Zaidan deixou frustrados muitos de seus leitores (e aliviados outros de seus muitos leitores) por não ter comparecido ao local de exibição do trabalho.

Dois leitores enviaram comentários para o 50 Anos de Textos a respeito da ausência das Más Notícias do País de Dilma. Minha compilação de más notícias tem bastante menos repercussão (e importância) do que os artigos de Mary Zaidan.

No último jantar em Juquehy, falamos sobre isso, meio brincando, meio a sério. Me lembrei pela décima bilionésima vez da boutade de Nelson Rodrigues sobre Dias Gomes. Não são exatamente essas as palavras, mas Nelson dizia algo tipo: Coitado do Dias Gomes – não consegue ser o melhor texto sequer de sua própria casa…

Adoro dizer isso – meio brincando, meio a sério: não sou o melhor texto sequer da minha própria casa. (E posso acrescentar, tendo tido o privilégio de viver com Regina Lemos, que sou reincidente nisso.)

Foram maravilhosos, gloriosos, esses poucos dias de férias em Juquehy.

E ainda tivemos um dia com meu irmão Geraldo e Eneida.

E quatro dias com minha filha e a Bêlinha dela na barriga.

Não pode haver coisa melhor.

 ***

Bem, mas o que mesmo quer dizer este texto aqui?

Sei lá. Não tenho a menor idéia.

Me lembrei de uma canção do muito jovem Dylan. Uma das poucas canções alegres, pra cima, do muito jovem Dylan. Está no quarto disco dele, Another Side of Bob Dylan, em que ele já tentava se afastar da imagem de O Profeta, o Porta-Voz da Geração, e se chama “I Shall Be Free no. 10”. Ele fala, fala, fala, cita Cuba, Barry Goldwater, Cassius Clay (que ainda não era Muhammad Ali) e termina assim:

“Now you’re probably wondering by now

Just what this song is all about

What’s probably got you baffled more

Is what this thing here is for

It’s nothing

It’s something I learned over in England.”

Claro que não quero me comparar a Dylan. Se não sou sequer o melhor texto da minha própria cama…

Só acho que a brincadeira do jovenzinho Dylan – “essa canção aqui não quer dizer nada” – me ajudou a ter vontade de fazer este post.

Ele não quer dizer nada.

É só a alegria de meus dedos terem reencontrado o teclado.

Férias são uma maravilha. Em Juquehy, melhor ainda. Com Mary, melhor ainda. Vendo Geraldo e Eneida, melhor ainda. Vendo minha filha e a barriguinha dela, melhor ainda.

Mas é bom reencontrar meu teclado. Até para não dizer nada.

23/10/2012

5 Comentários para “No clichê abaixo…”

  1. Clichê no meu parvo entender vem a ser as caixas tipográfica padronizadas que os antigos jornais utilizavam em diversas situações. Na falta de criação utilizavam-se os velhos clichês para ilustrar a matéria. Era a versão gráfica do famos “chavão”.
    O Sérgio não publicou acima nenhum clichê, as fotos são inéditas e mostram o paraíso que recebeu sua preguiça de dez dias.
    O texto é muito bom, como sempre. Descreve o nada, e que tem haver com a preguiça.
    Diz o Dylan:
    “Agora você deve estar se perguntando até agora.
    Só que essa música tem tudo a ver.
    O que você provavelmente te faz mais perplexo.
    É que esta coisa aqui é para
    não ser nada.
    É algo que eu aprendi ao longo da Inglaterra. ”
    Justas as férias, com a presença de pessoas importantes, deliciosas e fraternas…melhor ainda a notícia da gravidez da Fernanda. Parabéns ao vovô, com vazão da minha inveja.
    De volta ao teclado, quero ver novos textos, quero implicar e causar ciúmes no bom Luiz de Brasília. Can back Shane!

  2. Gostei do texto também. Mas aquele que você escreveu sobre as férias em Maceió estava muito melhor. Será que Jatiúca, Ponta Verde e Pajuçara são mais inspiradoras, ou você, na verdade, pediu à Mary para escrever?
    Mostrei para alguns colegas alagoanos e eles ficaram orgulhosos dos elogios à cidade.
    Não conheço Juquehy, mas admito que parece ser quase tão agradável quanto Maceió, minha cidade praiana preferida.
    Por falar em comparações (escrever não é exatamente a minha seara) a melhor motorista aqui em casa é, sem dúvida, a minha Nina, situação muito mais humilhante, mesmo nesta época de crepúsculo do macho, meu caro Sérgio.

  3. Agradeço imensamente aos dois, ao Milton e ao Luiz Carlos, pelos comentários.
    Luiz Carlos, concordo com você que o texto sobre Maceió era muitíssimo melhor. Este aqui foi uma coisinha à toa, uma bobagenzinha, um suelto, como se dizia na gíria jornalística antiga…
    Um abraço”!
    Sérgio

  4. Miltinho, clichê era aquela placa metálica descrita pelo Google, sobre a qual se projetavam as fotos. Estas ficavam gravadas no metal, em alto relevo, e eram colocadas na página, onde estavam as linhas em chumbo do texto. Essa página viria a ser a telha côncava colocada nos cilindros da rotativa. Sei, porque vi isso tudo quando comecei na Folha. Servaz: seus clichês me deixaram em férias por alguns minutos.

  5. Valeu Valdir entendido, amenizou minha parvice. Creio que o sentido dos clichês seja a repetiçao, à falta de ineditismo recorria-se aos clichês. A literatura passou a recorrer de clichês e a televisão abusa deles. O Sérgio a meu ver não se utilizou de clichê, até porque as fotos inéditas causaram o sentimento de férias em você e em mim.

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