Fico pensando: o que será que Chico Buarque sente quando vê as notícias sobre as Damas de Branco? Será que ele de fato, no fundo, no fundo, acha que aquelas mulheres – esposas e mães de presos políticos, que protestam contra a prisão de seus maridos e filhos, e por isso são espancadas nas ruas de Cuba – são um bando de contra-revolucionárias, de reacionárias, de gente paga pelo imperialismo ianque?
O que será que Silvio Rodriguez, José Saramago, Gabriel García Márquez sentem quando vêem as fotos, os filmes que estão no YouTube, das Damas de Branco?
Não me pergunto o que sente Oscar Niemeyer. Este já morreu faz tempo, só esqueceu de puxar a lápide. Morto faz tempo, publicou artigo na Folha dizendo que Stálin é um grande estadista que não matou ninguém – é tudo invenção dos reacionários. Então não há que pensar em Niemeyer.
Mas penso em Chico, em Sílvio, em García Márquez – eles, que foram meus ídolos, que são os ídolos de milhões de pessoas.
Como será que eles vão pensar em lançar um novo livro, um novo disco, depois das cenas que o mundo viu da ditadura dos irmãos Castro espancando mulheres que protestavam contra a prisão de seus maridos e filhos?
O que têm eles a dizer ao mundo, se não são capazes de dizer nada sobre os crimes da ditadura cubana? Como podem eles expressar sentimentos, sensações, emoções, se não se emocionam com as imagens de mulheres sendo espancadas pela ditadura que eles apóiam?
Será que eles simplesmente se recusam a ver? Fecham os olhos, os ouvidos, o coração, o peito, diante das fotos, dos filmes, como aqueles macaquinhos do não vejo, não ouço, não falo?
Viraram macaquinhos que não vêem, não ouvem, não falam, os nossos grandes ídolos?
Me permito juntar Yupanqui com Violeta – até porque, se estivessem vivos, Yupanqui e Violeta seguramente estariam metendo a boca no mundo, ao contrário de Chico Buarque, Silvio Rodriguez, José Saramago, Gabriel García Márquez:
Lo seguro és que ellos almuerzan en la mesa de los dictadores, al centro de la injusticia.
Um P.S. necessário
Esperneei a anotação acima no dia 19 de março de 2010. No dia 31 de março, o Estadão publicou uma matéria com o título “Ícones da música cubana criticam ação dos Castros”. O olhinho dizia: “Silvio Rodríguez e Pablo Milanés, dois dos mais apaixonados defensores da revolução, juntam vozes às do que pedem as reformas”.
Bem. Na verdade, Pablo Milanés já havia, meses antes, dado entrevista cobrando reformas, criticando a falta de mudanças, o imobilismo do governo cubano. Por isso não falei nele, no texto acima, em que cobrava os que mantinham silêncio sobre a situação na ilha-presídio.
A matéria do Estadão de 31 de março de 2010 traz a seguinte declaração de Sílvio, dada em uma entrevista no centro cultural Casa das Américas, em Havana: “Este é um momento no qual a revolução, a vida nacional, pede a gritos uma revisão de muitas coisas, conceitos e instituições. Tenho escutado que estão sendo feitas revisões, sempre extra-oficialmente, lamentavelmente nunca em nossa imprensa. Deus queira que isso seja verdade.”
Acho pouco, acho uma declaração tímida. Mas, ó céus, é uma declaração. E é preciso lembrar que ele vive sob uma ditadura – é um ídolo, é respeitado pelos governantes, pelos ditadores, mas, no momento em que um ídolo se vira contra os ditadores, pode ser preso, espezinhado, e então até dá para admitir que ele faça críticas com timidez.
Continuo aguardando declarações de Chico Buarque, de Gabriel García Márquez. Eles não vivem sob ditadura – a não ser a ditadura da falta de caráter de cada pessoa.
São Paulo, 19 de março de 2010, com complemento em 31 de março de 2010.
As canções por trás dos textos
Preguntitas sobre Diós
(Atahualpa Yupanqui)
Um dia yo pregunté:
¿Abuelo, donde esta Dios?
Mi abuelo se puso triste,
y nada me respondió.
(…)
¿Qué Dios vela por los pobres?
Tal vez si, y tal vez no.
Lo seguro es que Él almuerza
em la mesa del patrón.
Al centro de la injusticia
(Violeta Parra e Isabel Parra)
Chile limita al norte con el Perú
y con el Cabo de Hornos limita al sur,
se eleva en el oriente la cordillera
y en el oeste luce la costanera.
(…)
Al medio de Alameda de las Delicias,
Chile limita al centro de la injusticia.
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