Cortou-a em pedaços. Com um machado. William Kemmler era atarracado e tão bêbado como pai e mãe, imigrantes alemães, a quem o pesado álcool abreviou a escassa vida. A 29 de Março de 1888, num bairro da lata de Buffalo, no estado de Nova Iorque, Kemmler acordou com aquela ressaca bolsonara e estado de espírito trumpiano de não posso nem ver-te, quanto mais ouvir-te. Continue lendo “Não posso nem ver-te”
A mulher casada
Matou-se. Lançou-se de um terraço, em Antibes. Era órfão, exilado e príncipe russo. Pintor sobretudo. Do terraço fatal via-se o mar, essa oscilante antecipação da eternidade. Continue lendo “A mulher casada”
Nunca casou comigo
As duas mulheres levantam-se e dirigem-se à porta. Não é uma porta qualquer. É uma porta que abre para uma rua nova-iorquina dos anos 30. Qual das duas mulheres, Dorothy Parker ou Clare Boothe Luce, sairá primeiro? Qual delas dará prioridade à outra depois de uma primeira conversa que mais parecia uma venenosa batalha de talentos? Continue lendo “Nunca casou comigo”
É futebol a dor que deveras sentes
Ele era a antítese de Marilyn Monroe. E repare-se, nem sequer estou a falar de beleza, mas só da insignificância a que chamamos confiança em si mesmo. A confiança de Carlos Kaiser em si mesmo esgotaria a lotação de qualquer estádio. Mesmo a do Maracanã. Continue lendo “É futebol a dor que deveras sentes”
O #MeToo do século XIX
Pelas agruras das camas das gerações anteriores conheceremos as nossas? Lençóis à parte, o que tem uma cama do século XIX a ver com uma cama #MeToo? Continue lendo “O #MeToo do século XIX”
Se ainda têm um coração
Se ainda bate um coração no peito dos leitores do Jornal de Negócios, bebam-me estas lágrimas. São as lágrimas da mãe de Joseph Cyr. É um dia de Outono de 1951 e que mãe não choraria ao ver o nome do seu filho desenhado num jornal, a letras generosas, contando como ele, Joseph Cyr, cirurgião, na insidiosa guerra da Coreia, a bordo de um destroyer canadiano, em pleno deck e o céu por testemunha, operara três norte-coreanos, um deles com uma bala a tricotar-lhe o coração, salvando-os da nefanda morte. Essa é a mais franciscana das nobrezas: salvar o próprio inimigo. Continue lendo “Se ainda têm um coração”
Não matarás!
O quinto mandamento, versão talmúdica ou católico-romana, era uma auto-estrada por onde Eugen Weidman entrava, imparável, a zunir e em contramão. Não matarás! Mas Eugen matava, matou com gosto, e mataria sempre e mais se não lhe têm posto o corpinho com dono. Continue lendo “Não matarás!”
Para a boca, só de Paris
De François Villon, poeta francês do século XV, não há selfies e sabe-se tão pouco. Orfão de pai, nasceu estava a cleresia a atirar a milagrosa Joana d’Arc para a fogueira. Eram maus tempos para recalcitrantes e um patrono generoso enfiou Villon na Faculdade de Paris, com o objectivo salutar de que ele, no futuro, fosse dos que queimam e não dos que ardem. Continue lendo “Para a boca, só de Paris”
Um pouco de pão, uma garrafa de tinto
Kiki de Montparnasse inventou a mulher livre antes que alguém explicasse ao mundo o que era a mulher livre. Em Paris, aos 15 anos, por dez cêntimos, mostrava os seios, ainda mais bonitos do que os do busto da nossa República. Continue lendo “Um pouco de pão, uma garrafa de tinto”
Palmar 20 milhões ao banco
Foi antes de se inventar o assalto ao banco. Era disso que, nos anos 60 e 70, se queixava a polícia francesa: Jacques Mesrine assaltava bancos antes de se inventar o assalto ao banco. Corrijo e digo à verdade, o que ainda não se inventara fora o asséptico assalto ao banco. Nem nos sonhos dos mais pervertidos havia um húmido Lehman Brothers, um BPN de perna aberta, um nuínho BES. Continue lendo “Palmar 20 milhões ao banco”
Três, disse Frank Sinatra
Não vos vou falar de uma precipitação qualquer. Falo-vos de uma precipitação de Frank Sinatra. Tinha Judith Campbell uns 25 anos e quem diz Judith, diz Guerra Fria, FBI, Baía dos Porcos, a garganta cortada de Fidel de Castro, como outra Judith degolou a de Holofernes. Continue lendo “Três, disse Frank Sinatra”
Um tombo do Entroncamento
O seu bigode tinha todos os traços dos ideais republicanos: dois arcos reflexivos, pontas enroladas a apontar o céu, enfim, uma andorinha de asas abertas a decorar o lábio superior. Este é o bigode de Paul Deschanel e o voto dos eleitores fez desse bigode e de Deschanel o Presidente de França por sete meses e poucos dias. Continue lendo “Um tombo do Entroncamento”
O descanso eterno dos ricos
A esmagadora maioria dos ricos só sabe fazer de ricos. Atrevo-me a dizer: mesmo os que um dia já foram pobres. E perdoem-me se não falo aqui do riso de Berardo. Já não há nele, no seu soletrado riso, cordão umbilical que o ligue à ancestral humildade, à genuína humanidade do pobre. Eis o que interessa, há um rico que ficou rico a fazer de pobre: Charlie Chaplin. Continue lendo “O descanso eterno dos ricos”
Eram já quatro na mesma cama
O livro, velhinho, chama-se A Defesa da Poesia. Sublinhei-o linha a linha: há 50 anos, eu lia com as mãos por não me chegarem os olhos. O livro é de Percy Shelley. Vejam bem, há dois séculos, ao morrer, Shelley tinha menos de cem leitores. Continue lendo “Eram já quatro na mesma cama”
As bombas atómicas de Palomares
É que nem Deus aceitava. Francisco lembra-se. Humilde e cristão, chegou-se a Nosso Senhor com um prato de vermelhíssimos camarões de Palomares: “Aceita Senhor, Bom Deus!” E logo o poliglota patriarca das barbas, com um vozeirão que tomara Pavarotti, declinou: “Pues, Paco, hijo mio, no gracias, que te hagan buen provecho.” Continue lendo “As bombas atómicas de Palomares”