“O julgamento da História não basta”

Nesta semana de 24 a 30 de janeiro, foram apresentados dois novos pedidos de abertura de processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro – um por um grande grupo de líderes de diversas denominações religiosas cristãs e outro por vários partidos políticos.

Isso é ótimo.

Mas o eventual julgamento político de Bolsonaro, sua eventual destituição do cargo por impeachment, ou sua derrota nas eleições de outubro de 2021, não bastam.

Assim como disse, com absoluta propriedade, o jornal O Estado de S. Paulo no título de seu principal editorial desta sexta-feira, 29/1, “o julgamento da História não basta”.

“O presidente terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia de covid-19, que até agora matou mais de 220 mil brasileiros. A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro é grave demais para ficar relegada ao julgamento da História.”

Que a História o marque para sempre como o pior chefe de governo que este país já teve é pouco.

Impeachment é pouco.

O genocida tem que pagar na Justiça por seus crimes.

Se chegará a ser julgado no Tribunal Penal Internacional Haia, como foram os genocidas da guerra suja, sanguinária, irracional dos Bálcãs, não dá para saber. Mas, de qualquer forma, ele tem que enfrentar a Justiça brasileira.

Assim, foi excelente a notícia – divulgada no meio da tarde desta sexta-feira, 29/1, por Miriam Leitão no site do Globo, de que um grupo de seis procuradores aposentados apresentou à Procuradoria-Geral da República uma representação contra Bolsonaro por “crime comum no contexto da Covid-19”.

A pena é prisão de dez a 15 anos.

São nomes importantes os dos signatários do pedido. Assinaram o ex-PGR Claudio Fonteles, a ex-procuradora Federal de Direitoss Humanos Déborah Duprat, o desembargador Manoel Lauro Volkmar de Castilho, o subprocurador aposentado Paulo de Tarso Braz Lucas, os ex-procuradores dos direitos do cidadão Alvaro Augusto Ribeiro Costa e Wagner Gonçalves.

Eles pedem que o procurador-geral Augusto Aras ofereça denúncia contra o presidente pela prática de crime descrito no artigo 267 do Código Penal, que define “causar epidemia, mediante propagação de germes patogênicos”.

“Em atenção ao princípio da eventualidade, requerem que, caso se entenda pela não tipificação do crime de epidemia, as condutas criminosas acima narradas sejam enquadradas nos artigos 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem), 268 (infração de medida sanitária preventiva), 315 (emprego irregular de verbas ou rendas públicas) e 319 (prevaricação)”.

Os autores relatam que recentemente 354 pessoas ofereceram representação contra Jair Bolsonaro tendo como base o desrespeito a vários artigos do Código Penal. E o fizeram diante das “inúmeras condutas do Presidente da República reveladoras de sabotagens, subterfúgios de toda ordem para retardar ou mesmo frustrar o processo de vacinação no contexto da pandemia da Covid-19”.

E apresentam uma lista das atitudes de Bolsonaro diante da pandemia para sustentar que ele cometeu “crime de epidemia”. Entre eles, o fato de que o presidente, quando foi à Flórida, região de alto risco, no dia 7 de março, havia apenas seis casos no Brasil. Ele voltou e “participou de manifestações políticas, sempre sem máscara, tendo contato físico com os manifestantes, desrespeitando a recomendação de quarentena após retorno. E, mais grave, pelo menos desde a véspera desse evento, ou seja, em 14 de março, já era pública a informação de que parte da comitiva presidencial tinha sido infectada pelo novo coronavírus”.

Pode não dar em nada?

Pode, é claro. Afinal, Augusto Aras, que deveria ser o procurador-geral da República, vem provando ser o lambedor-geral do presidente da República – e ele poderá engavetar o pedido desses procuradores, por mais importantes que eles tenham sido em suas carreiras, por mais razões que contenha o arrazoado que apresentaram.

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Da mesma forma, o pedido de impeachment de Bolsonaro apresentado na terça-feira, 26/1, por 380 pessoas ligadas a igrejas cristãs, incluindo católicas, anglicanas, luteranas, presbiterianas, batistas e metodistas, além de 17 movimentos cristãos – o 62º pedido para abertura de processo de impedimento do sujeito protocolado na mesa da Câmara dos Deputados – poderá ficar para todo o sempre dentro da gaveta do presidente daquela casa do Congresso.

Da mesma maneira com que o 63º pedido, protocolado na quarta-feira, 27/1, por PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL e Rede.

Com toda certeza, esses pedidos ficarão trancados na gaveta se os deputados cometerem o crime de lesa-pátria, o crime de cumplicidade com o genocídio, de elegerem o candidato de Bolsonaro à Presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Hum… Toda certeza? Toda absoluta certeza? Sei não. Arthur Lira é enrolado em processos por corrupção, é acusado de bater na mulher, entre muchas otras cositas más. Não é flor que se cheire, de forma alguma – mas exatamente por isso, porque não tem qualquer tipo de caráter, é um pulha, um safado, e é Centrão, ele poderá perfeitamente mudar de lado e retirar da gaveta os pedidos de impeachment.

Basta a gente falar alto.

Podem me chamar de Pangloss. De Polyanna. Mas sou um incorrigível esperançoso. Ainda não acredito que Baleia Rossi (MDB-SP|) será derrotado – os deputados não são tão loucos nem tão vendidos assim. E continuo acreditando que Jair Bolsonaro não será presidente do Brasil até 31 de dezembro de 2021. Porque o país simplesmente não aguenta.

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Agora, além do impeachment, a par do impeachment, Bolsonaro tem que pagar por seus crimes na Justiça. Tem que ir para a cadeia.

O julgamento da História não basta.

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O julgamento da História não basta

Editorial, O Estado de S. Paulo, 29/1/2021

O tempo vai dizer se um dos mais perigosos, desbocados e vulgares presidentes da história do País será destituído do cargo pela via constitucional. Razões para que isso aconteça não faltam. A cafajestagem que ele protagonizou anteontem prova isso. A portentosa ficha de crimes de responsabilidade cometidos pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro já foi desfiada nesta página e em tantas outras das mais de cinco dezenas de pedidos de impeachment já apresentados ao presidente da Câmara dos Deputados. A bem da verdade, tal desgoverno é um crime continuado.

A ver, pois, se as chamadas condições políticas para o afastamento do presidente restarão materializadas, pelo bem maior do Brasil. Os candidatos apoiados por Bolsonaro nas disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, creem não haver sequer elementos para instalação de uma CPI da Saúde.

Porém, uma coisa é certa: a destituição política de Bolsonaro, no momento, pode não passar de uma possibilidade remota, mas, se esta é uma República que se pretende séria, mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia de covid-19, que até agora matou mais de 220 mil brasileiros.

A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro é grave demais para ficar relegada ao julgamento da História.

Sabe-se que a covid-19 é uma doença potencialmente mortal e decerto não pouparia a vida de muitos brasileiros, quem quer que fosse o chefe de governo nesta hora grave. Mas não resta a menor dúvida de que a atuação malévola de Bolsonaro foi determinante para transformar o que seria uma grave emergência sanitária em uma tragédia sem qualquer precedente na história do País nos últimos cem anos.

Em prol de seus interesses mais mesquinhos, Bolsonaro abriu mão de liderar a Nação em um de seus momentos mais dramáticos. Fez troça do destino de milhões de seus concidadãos, deixando-os à própria sorte. No entanto, não será por sua imoralidade que o presidente da República terá de prestar contas à Justiça.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro humilhou ministros da Saúde que se recusaram a prestar-lhe vassalagem. Minou os esforços de coordenação entre os entes federativos. Sabotou medidas de segurança preconizadas pela comunidade científica. Usou a alta credibilidade do cargo que ocupa para amplificar teorias estapafúrdias e desinformar a população – “O Brasil é um país tropical, aqui o vírus não será tão violento”, “o brasileiro vive pulando em esgoto e não pega nada”, entre outras barbaridades. Deixou de promover testagem em massa. Defendeu o uso de medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”. Não trabalhou um dia sequer para viabilizar vacinas para os brasileiros. Não satisfeito, atacou países produtores de insumos farmacêuticos hoje imprescindíveis, como a China.

Bolsonaro, como se nota, cometeu crimes contra a administração e a saúde pública no exercício do mandato. Não é algo de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, possa se esquivar por muito mais tempo.

Ora, se o ministro da Saúde já figura como investigado em inquérito policial e em breve terá de prestar depoimento à Polícia Federal (ver editorial Hora de prestar contas, de 28/1/2021), é lógico que as ações e omissões de seu chefe também hão de ser avaliadas pelo procurador-geral.

Na sessão do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou mais um relatório do ministro Benjamin Zymler a respeito da gestão federal da pandemia, o ministro Bruno Dantas, vice-presidente da Corte de Contas, foi enfático ao tratar desse desgoverno. “A sociedade clama por vacina já. Se existem ‘terraplanistas’ no Ministério da Saúde, essa gente precisa ceder espaço para a ciência. Não é possível que as autoridades zombem da dor dos brasileiros”, disse Dantas.

É disso que se trata. Bolsonaro subjugou o Ministério da Saúde em um momento decisivo. Em último grau, isso custou vidas e não pode ficar impune.

29/1/2021

Este post pertence à série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro”. 

A série não tem periodicidade fixa.

Sobram argumentos para defender o impeachment de Bolsonaro. (37)

Impeachment, impeachment, impeachment. A palavra está no ar. (36)

O país não aguenta mais 17 mil horas de Bolsonaro (35)

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