Homenagem ao Malandro!

Talvez devido aos acontecimentos desta semana, ou por algum outro motivo que desconheço, acordo com a música “Homenagem ao Malandro”, de Chico Buarque, martelando na minha cabeça todos os dias.

Vou colocar um trecho dela aqui pra ver se vocês me ajudam a entender o porquê.

Eu fui fazer um samba em homenagem
À nata da malandragem que conheço de outros carnavais
Eu fui à Lapa
Perdi a viagem
Que aquela tal malandragem não existe mais
Agora já não é normal
O que dá de malandro regular, profissional
Malandro com aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital
E que nunca se dá mal.

Começou depois de assistir à farra das eleições para as presidências da Câmara e do Senado, quando os candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro e empurrados pelo manjado Centrão subiram ao pódio, sob efusivos aplausos dos que votaram a favor deles, de livre e e$pontãnea vontade, $em intere$$es pe$$oais. Foram também muito aplaudidos pelos adoradores do mito ali presentes e pelos que circulavam no momento nas redes sociais. Aí eu não entendi. Ser aplaudido por puxa-saco do chefe, tudo bem, porque ele sabe que, de alguma maneira, uma hora será recompensado. Mas por eleitores, reles mortais, gente do povo, gente como a gente?

Como explicar essa incoerência? Não votaram no Bolsonaro porque ele prometia um governo limpinho, com uma “política da nova era”? Não votaram nele porque ia acabar com a corrupção e com o toma-lá-dá-cá?

Pois, então, fanáticos em geral, me expliquem como vocês podem aplaudir essa união do presidente de vocês com essa turminha do beco? Logo essa turminha tão combatida por Bolsonaro e por seus asseclas? Lembram de quando o Aspone do governo, que ostenta o título de ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno subiu ao palco na convenção nacional do PSL em 2018 para cantar “se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”? Então!

Aliás, cadê ele? Não tem aparecido muito ultimamente. Não se sabe se está ensaiando outra música para cantar para o agora amigo bloco carnavalesco do qual faz parte, o Topa Tudo por Dinheiro, ou se enfiou a cabeça na terra de vergonha. Eu, pelo menos, se fosse ele, não sairia nem pra pegar o jornal na porta de casa. Ter de olhar pra cara de quem já foi tripudiado por ele com uma desafinada paródia, forçar um sorrisão e dar um bom dia, amiguinho, como se nada tivesse acontecido, não deve ser fácil, não!

Mas como tudo aqui acaba em “feixta”, o banquete da vitória do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco do DEM, reuniu gregos e troianos. Amigos e inimigos juntos, irmanados, dividindo a mesma taça de champanhe. (Dividindo o cacete! Só na festa distribuíram muito mais champanhe do que vacina pelo país inteiro).

Teve até karaokê para que os convivas soltassem a voz. E para que tudo continuasse dentro dos conformes, a ex-deputada e ex-prisioneira Cristiane Brasil, filha do também ex-deputado e ex-prisioneiro Roberto Jefferson (familiazinha boa, essa), pegou o microfone e tascou a conhecida música composta por Cazuza e Frejat “Malandragem”.

Não se pode negar que foi uma escolha apropriada à ocasião.

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 5/2/2021. 

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