O presidente da República é um palhaço

O presidente Jair Bolsonaro transformou o Palácio em circo. Armou um picadeiro em frente ao Alvorada. Constrói com eficiência a imagem de alguém que não está à altura do cargo. Mostra não entender a dimensão da agenda presidencial.

Na quarta-feira, 4/3, diante do Alvorada, um palhaço orientava o outro sobre que perguntas fazer para os jornalistas, enquanto bananas eram distribuídas. O que em Chacrinha era pura arte brasileira, em Bolsonaro e Carioca é a explicitação de uma visão de mundo apequenada pela atuação permanente no lado escuro da sociedade.

Hoje, Bolsonaro representa um núcleo extremista da sociedade que incentiva a ir às ruas contra as mesmas instituições que jurou proteger. Não tem noção do que seja decoro, na vida privada e na pública, nem respeita a liturgia do cargo.

Na palhaçada diante do Alvorada, Bolsonaro pediu que o humorista respondesse em seu lugar. Com isso, mostrou que tem quem o substitua quando não fizer falta. É ocioso esperar que um governo cujo chefe se conduz dessa maneira e que trata questões sérias como piada seja bem-sucedido na tarefa de convencer a opinião pública e os parlamentares da seriedade de seus propósitos.

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Eu gostaria de ter escrito todas as frases acima. Cada uma delas é a mais pura expressão da verdade dos fatos – e eu ficaria orgulhoso por tê-las escrito, para registrar aqui neste meu site a mais que necessária indignação diante da palhaçada realizada por Jair Bolsonaro na quarta-feira.

Mas não fui eu que escrevi as frases acima. São, todas, retiradas de editoriais de dois dos maiores jornais do país, O Globo e O Estado de S. Paulo, e de artigo do jornalista e membro da ABL Merval Pereira. São alguns exemplos do que tem sido publicado na imprensa nos últimos dias.

Sempre fui tido, pelos amigos mais próximos, como um boquirroto, um sujeito que fala abertamente coisas duras, sem papas na língua, sem tomar muito cuidado. Assim, se isso aí acima fosse da minha autoria, pessoas mais moderadas, mais polidas, poderiam dizer que as constatações aí fazem parte do meu jeito um tanto exagerado, à la Cazuza, de me expressar.

Pois é.

A situação está tão séria, tão grave, as ofensas que Jair Bolsonaro assaca contra as instituições – a começar da própria Presidência da República – são tão graves, que os editoriais de O Globo, O Estado, os artigos de bons jornalistas, reagem de forma tão indignada quanto o boquirroto aqui.

Não vai ser possível aguentar esse tipo de agressão às instituições, ao bom senso, à educação, à liturgia do cargo, à própria democracia por mais longos dois anos e nove meses. Ou a Nação faz esse senhor se comportar, ou deve-se, apesar de todos os problemas que isso acarreta, abrir um processo de impeachment contra ele.

Seguem abaixo as íntegras dos dois editoriais e do artigo de onde foram tiradas as frases iniciais deste post.

Mas, antes, quero fazer um registro. Foi só depois que postei este texto aqui, compilando os três que vão abaixo, que li o artigo de hoje de Maria Helena RR de Sousa para o Blog do Noblat.  Há anos tenho o orgulho de republicar aqui os artigos dela. Por uma dessas sortes na vida, ficamos, Mary e eu, amigos de Maria Helena, nos encontramos algumas vezes, estivemos com ela e com seu filho, Alfredo. Poucas, é verdade; menos do que gostaríamos – mas o suficiente para poder dizer e garantir que, pessoalmente, ela é tão educada, fina, distinta, equilibrada, quanto seus textos indicam.

Pois não é que também Maria Helena, essa lady, está tão indignada que se expressa  quase exatamente como o boquirroto aqui? Com a mesma  veemência do que o esquentadão aqui?

O artigo de Maria Helena RR de Sousa desta semana comprova o que o que eu disse mais acima. A indignação diante dos abusos de Jair Bolsonaro não tem paralelos – é gigantesca demais.

Ainda bem.

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Bolsonaro não tem idéia da agenda de presidente

Editorial, O Globo, 6/3/2020

Por mais que o presidente Bolsonaro tenha se esforçado para se esquivar de perguntas sobre o baixo desempenho da economia no ano passado, com a evolução do PIB se mantendo no nível decepcionante de 1%, a realidade de uma economia quase estagnada continua a existir e, cada vez mais, pressiona sua gestão.

A atitude que se espera do presidente é reagir à inércia que tomou conta do seu governo com respeito às reformas. Precisa reativá-las, uma resposta adequada à virtual estagnação da economia.

Isso requer o envolvimento direto do Palácio nas articulações com o Congresso, falha recorrente do governo Bolsonaro. O que faz aumentar as preocupações com o alheamento do presidente e as demonstrações de que não entende as suas funções.

Podia não ter encontrado a imprensa na quarta-feira, dia da divulgação do PIB de 1,1%, se não queria falar sobre o assunto. Mas na porta do Alvorada decidiu ir ao encontro dos repórteres com uma performance debochada e desrespeitosa, em que um humorista com faixa presidencial saiu do carro oficial para oferecer bananas aos jornalistas. Transformou o Palácio em circo.

Bolsonaro constrói com eficiência a imagem de alguém que não está à altura do cargo. Mostra não entender a dimensão da agenda presidencial. Dela consta não apenas apressar as reformas, como também resistir a pressões que devem surgir para abandonar o ajuste fiscal, a fim de supostamente acelerar a retomada da economia com mais gastos públicos.

O presidente deveria fazer uma reflexão profunda sobre as razões para atrairmos tão pouco investimento externo. Concluirá que parte da explicação está na imprevisibilidade do seu comportamento, fator de aumento da percepção de risco pelo investidor. Um país em tensão política constante, devido ao seu presidente, não é atraente a investidores em grandes projetos de longa maturação, como os de que o Brasil necessita, principalmente na infraestrutura.

Em encontro com os movimentos Vem pra Rua e Brasil Livre (MBL), o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, disse que o governo tem “15 semanas para salvar o Brasil”. Em referência à proximidade do calendário eleitoral, que paralisará o Congresso no segundo semestre.

Pode ter sido um exagero, mas é essencial de fato que Congresso e governo apressem os trabalhos pelo menos até o fim do semestre. A agenda está posta: além da reforma administrativa, ainda não enviada pelo governo, e a tributária, para a qual também falta a contribuição do Executivo, há PECs a aprovar também com urgência (a Emergencial e a dos Fundos Públicos).

Enquanto Bolsonaro perde tempo em patrocinar atos de desrespeito à imprensa, para animar uma plateia digital, há um expediente no Planalto à sua espera que não está sendo cumprido. O presidente precisa trabalhar, e para isso tem de desmontar o picadeiro eletrônico que armou à frente do Alvorada.

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Sem compostura

Por Merval Pereira, O Globo, 6/3/2020

Vivendo na bolha virtual das redes sociais, o presidente Bolsonaro espanta-se quando os jornais independentes estampam nas manchetes sua falta de compostura. Diz que jornalista é raça em extinção, mas se incomoda quando identificam nele a contrafação do palhaço contratado.

Numa metalinguagem involuntária, um palhaço orientava o outro sobre que perguntas fazer para os jornalistas, enquanto bananas eram distribuídas. O que em Chacrinha era pura arte brasileira, em Bolsonaro e Carioca é a explicitação de uma visão de mundo apequenada pela atuação permanente no lado escuro da sociedade.

Beppe Grillo, o cômico italiano, youtuber e blogueiro, que criou um partido político de extrema-direita com influência importante na política italiana, é o que há de mais próximo de Bolsonaro na política internacional.  Não por ser de extrema-direita, mas por ser palhaço.

Apalhaçado também é Trump, assim como foram Hitler e Mussolini, em comum todos de extrema-direita chegados ao poder em momentos críticos da vida de seus países e do mundo.

Como não podia deixar de ser, Bolsonaro enfrentou reações negativas sobre sua postura em relação ao resultado do PIB. “PIB? O que é PIB? Pergunta para eles (jornalistas) o que é PIB”, disse Bolsonaro ao humorista Márvio Lúcio, conhecido como Carioca, caracterizado como o presidente, que chegou ao Palácio da Alvorada num carro oficial da Presidência, ao lado do chefe da Secom, Fabio Wajngarten.

Brincar com o crescimento pífio do PIB brasileiro é brincar com a taxa de desemprego, é menosprezar as conseqüências no cotidiano do cidadão de baixa renda ou sem renda. Bolsonaro, de tão tosco, deixa pistas sobre suas impropriedades, e até mesmo suas ilegalidades, pelo caminho.

Ao levar a tiracolo um palhaço empregado da rede de televisão Record, depois de elogiar a chegada da franquia CNN Brasil, deixa claro o que considera imprensa que merece respeito. Millor Fernandes já dizia que jornalismo tem que ser de oposição, ou então é secos e molhados.

Pois humor a favor não é humor, é propaganda. Uma velha lição jornalística foi dada por William Randolph Hearst, magnata da imprensa inspirador do Cidadão Kane de Orson Welles: “Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado. O resto é propaganda”.

Bolsonaro confirma candidamente que não gosta de críticas, repetindo um dos nossos ditadores militares, Costa e Silva, que retrucou a explicação de que as críticas jornalísticas eram “construtivas” também com sinceridade: “Prefiro elogios construtivos”.

O ex-presidente Lula também tinha dificuldade em separar o joio do trigo, e não gostava muito dessa definição de notícia. A ex-presidente Dilma também tinha sua contrafação, o comediante que fazia a Dilma Bolada e recebia, segundo diversas delações, pagamento mensal em “dinheiro não contabilizado” para tornar a presidente em figura simpática popularmente, missão de resto impossível.

Nunca houve, no entanto, presidente algum que tenha levado a cabo com tanto entusiasmo a degradação da função presidencial, querendo adaptar os usos e os costumes republicanos ao seu modo de vida à margem das instituições, utilizando-se delas para tentar destruí-las.

Mau soldado, segundo o ex-presidente Ernesto Geisel, foi acusado de planejar atos terroristas à guisa de reivindicação salarial nos quartéis. Mau político, anda às voltas com denúncias de divisões salariais ilegais em seus escritórios e no de seus filhos, a chamada “rachadinha”. Em 27 anos como deputado federal, só aprovou dois projetos na Câmara.

Presidente eleito por uma maioria de mais de 57 milhões de votos, hoje representa um núcleo extremista da sociedade que incentiva a ir às ruas contra as mesmas instituições que jurou proteger. Não tem noção do que seja decoro, na vida privada e na pública, nem respeita a “liturgia do cargo”.

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Piada de mau gosto

Editorial, O Estado de S. Paulo, 5/3/2020

O ministro da Economia, Paulo Guedes, reuniu-se na terça-feira passada com representantes do Vem Pra Rua e do Movimento Brasil Livre, grupos que ganharam projeção fazendo protestos contra o lulopetismo e se alinham à agenda econômica do governo de Jair Bolsonaro. No encontro, durante um almoço na casa do secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, Guedes pediu apoio dos movimentos às reformas. Disse que o governo tem “15 semanas para mudar o Brasil”, em provável referência ao fato de que, no segundo semestre, o Congresso estará desmobilizado em razão da campanha para as eleições municipais.

Que dois altos funcionários do governo tenham deixado de lado seus afazeres para pedir o apoio e a opinião de movimentos de rua acerca das reformas econômicas que o governo pretende aprovar já é bastante inusitado. Mais inusitado ainda foi o cronograma apresentado por Guedes: em 15 semanas, o governo Bolsonaro pretende fazer o que foi incapaz nas 61 semanas de seu mandato até agora.

E não foi capaz porque se recusou a estabelecer as necessárias pontes com o Congresso e porque o próprio governo parece não se entender sobre o teor de algumas reformas que diz pretender apresentar, como a tributária e a administrativa. Em vez de pedir apoio às ruas, o governo Bolsonaro deveria se dedicar mais a melhorar sua interlocução com os parlamentares. Mas essa é uma perspectiva cada vez mais remota.

O presidente tem demonstrado crescente desrespeito pelas instituições democráticas e pelo próprio cargo que ocupa. Ontem, em escancarado deboche, Bolsonaro acertou-se com um humorista para imitá-lo – com faixa presidencial e usando a estrutura da Presidência, inclusive carro oficial – e provocar jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada. Quando os repórteres fizeram perguntas ao presidente sobre o fraco desempenho do PIB e sobre as conturbadas negociações com o Congresso acerca do manejo do Orçamento, Bolsonaro pediu que o humorista respondesse em seu lugar. Com isso, mostrou que tem quem o substitua quando não fizer falta.

É ocioso esperar que um governo cujo chefe se conduz dessa maneira e que trata questões sérias como piada seja bem-sucedido na tarefa de convencer a opinião pública e os parlamentares da seriedade de seus propósitos. Assim, entende-se por que Paulo Guedes tenha sentido a necessidade de procurar o apoio de grupos supostamente capazes de mobilizar parte da sociedade em favor de suas pautas, pois, se depender do empenho do presidente, há enorme risco de ver naufragar importantes reformas que já deveriam estar encaminhadas.

O problema é grave e não se limita às provocações de Bolsonaro ao Congresso e à imprensa. O governo foi incapaz até agora de deixar claro qual reforma tributária pretende fazer – e não foram poucas as vezes em que Guedes foi desmentido pelo presidente a respeito de ideias nessa seara. Também não se sabe qual será o formato da reforma administrativa, mas Bolsonaro já deixou claro que quer mudanças apenas “suaves” na estrutura do serviço público.

Ou seja, entre o país de Bolsonaro, que faz do exercício da Presidência uma comédia pastelão, e o país de Paulo Guedes, em que reformas complexas podem ser aprovadas em apenas 15 semanas, desconsiderando todas as circunstâncias, encontra-se o Brasil real – onde cerca de 23 milhões de desempregados, desalentados e subempregados são obrigados a viver a dura realidade da crescente falta de perspectiva.

Ante a desconexão do governo com a realidade, resta esperar que o Congresso continue a agir com responsabilidade e acelere a aprovação das reformas, não por força de manifestações estimuladas pelo governo, mas porque sem essas mudanças o Brasil estará condenado à mediocridade, muito aquém de seu potencial e dos merecimentos de sua população, mas condizente com o espírito da atual administração.

6/3/2020

2 Comentários para “O presidente da República é um palhaço”

  1. Tem pau que nasce torto e um dia se endireita.
    E tem pau que entorta cada dia mais. É esse o caso.
    Palhaços somos nós que assistimos da arquibancada, ao espetáculo mambembe exibido pelo atual dono desse circo.

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