Espairecendo!

Depois de sete meses em casa, saindo só para o basicão mesmo, resolvi dar uma incerta para conferir se os integrantes do MSAP – Movimento dos Sem Apartamento na Praia – ainda não tinham invadido o meu.

Brincadeirinha! Vim para matar a saudade e respirar um pouco desse ar salgado que o mar sopra na cara da gente, no lugar de fumaça das queimadas.

Tudo dentro das normas, como manda o figurino. Chegando no comecinho da semana e indo embora antes que aquele bando de desmascarados invada o pedaço.

Só que, claro, depois de tanto tempo, alguns percalços terão de ser enfrentados. Luz que não acende, janela que não abre, lavadora que não funciona, microondas que só pega no tranco… Mas tudo bem.

Enquanto me ocupo em resolver esses probleminhas, me esqueço da calhordice do nosso Presidente que, contra sua vontade, assina o veto ao projeto aprovado pelos congressistas de anistiar UM BILHÃO dos templos religiosos. Com a maior desfaçatez, disse ainda que assinou só para não ser impichado e pede aos deputados que derrubem seu veto.

Tudo isso acontecendo ao mesmo tempo em que sua equipe econômica anuncia a intenção de CONGELAR, por dois anos, os proventos dos aposentados, pensionistas e dos que recebem auxílio-doença.

Alguém aí me explica a lógica dessa coisa porque eu não entendi. (Talvez por que não tenha.)

Por que favorecer um grupo de indivíduos cuja única preocupação é com o tamanho da mala – cada vez maior, diga-se – usada para colocar o dinheiro fácil que vem das mãos dos que acreditam que o dízimo é só o parcelamento de suas passagens para o céu?

E, pior, por que tirar da já fucked class dos aposentados e pensionistas a merreca a que têm direito anualmente?

Bom, deixa pra lá! Vim aqui para desestressar, não é? Então vou tentar manter o foco nisso.

Como ainda não tenho coragem de frequentar restaurantes, faço a comida em casa mesmo, mas para isso preciso, dasveiz, dar uma corrida ao supermercado que fica aqui pertinho.

Ontem fui lá, comprei o que precisava para o jantar e, enquanto passava a compra pelo caixa, a falante e sorridente atendente puxou conversa comigo:

  • Gostei do seu cabelo. Queria cortar o meu assim mas não tenho coragem.
  • Entendo!
  • Débito ou crédito?
  • Crédito.
  • Pode retirar seu cartão.
  • Por favor, me empresta o álcool pra passar nele.
  • Você passa álcool no cartão?
  • Sim, moça! Tanto que antes de ter essa cor de burro quando foge, ele era preto. Passo álcool também em tudo o que estou levando daqui.
  • Ah, eu não faço isso, não! Não tô nem aí! Talvez não tenha essa preocupação porque não sou tããão velha assim.

Peguei minhas sacolas e saí rindo desse comentário até chegar ao apartamento. (Confesso que fiquei intrigada em saber como ela descobriu minha idade que eu achava estar escondida atrás da máscara).

Mas depois, enquanto higienizava todos os produtos e também o chão onde despejei as sacolinhas quando cheguei, minha ficha caiu.

Tá rindo de quê, orêia? Além de ser chamada de velha assim, na lata, ainda constata que a ignorância está mais alastrada que o fogo na Amazônia e no Pantanal?

De fato, nenhum motivo pra rir.

Tem muita gente ainda que “não tá nem aí” com o vírus e nem aí com os incêndios, que, segundo o presidente, nem são assim como falam. O que existem são “críticas desproporcionais”!

Durma-se com uma fumaça dessas!

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 18/7/2020.

 

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