Brasil, país infeliz

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 aponta que quatro meninas de até 13 anos são estupradas no país a cada hora. Um levantamento feito pela BBC News Brasil, com base no Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde, revela que o país registra uma média anual de 26 mil partos de mães com idades entre 10 a 14 anos. Ainda segundo o levantamento, o país registra ao menos seis abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos, em média.

Leio essa nota e em seguida leio que o presidente da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil –, d. Walmor Oliveira, disse que interromper a gravidez de uma criança de dez anos, vítima de estupro, “é um crime hediondo”. Outro membro da CNBB, d. Fernando Saburido, arcebispo de Olinda e Recife, declarou que se grave foi o estupro, gravíssimo foi o aborto!
Pois eu duvido que o Papa Francisco concorde com esses bispos. Duvido. Ele tem lutado muito para preservar a nossa Fé e para que o número de católicos não diminua, ao contrário, que aumente. E vem a CNBB e solta uma opinião estúpida dessas?
Sou católica apostólica romana, fui batizada, fiz primeira comunhão, fui crismada, casei no civil e no religioso e tenho um filho que criei nos ensinamentos da Igreja Católica.
Mas, diante da reação infeliz da CNBB, que foi incapaz de criticar e condenar os pseudo cristãos que se aglomeraram diante do hospital no Recife, onde estava internada a menina de 10 anos grávida de um estupro cometido por seu tio, só posso desejar que a CNBB vá minguar cada vez mais…
A Igreja Católica excomungou médicos que realizaram um aborto numa menina de 9 anos engravidada pelo próprio pai há uns dois anos. Por acaso se preocupou em excomungar o médico que invadiu o hospital no Recife para pressionar a menina que lá estava prestes a ver finalizado o seu calvário? Por acaso se preocupou em excomungar e lutar para banir para sempre do convívio com a sociedade essa infeliz e extremamente perigosa Sara Giromini, que vazou o nome e os dados pessoais da triste menina?
Neste Brasil onde o analfabetismo, a ignorância e a desigualdade predominam, onde ficamos sabendo do número bárbaro e vergonhoso de meninas violentadas, haveria outra solução sem ser o aborto? Qual seria a alternativa? Orações pelo fim espontâneo da gravidez? Obrigar a criança a ter uma criança e parar de viver sua vida para viver a vida de uma criança que não desejou, cuja chegada não lhe traria amor, mas só dor e infelicidade?
Se os homens engravidassem, quantos estariam na porta do hospital no Recife aos berros e atiçando o povo contra os médicos e as enfermeiras que lá se dedicam a salvar vidas? Como não engravidam, só sabem engravidar as mulheres, se dão ao direito de seguir a grotesca extremista, essa indigna Sara Geromini que de uma coisa se assegurou: foi à Caixa receber o auxílio emergencial de R$ 600.
Fé, Esperança e Caridade são as virtudes teologais do catolicismo. E nessas virtudes se basearam as mulheres que se reuniram em grupo para combater os anões morais que urravam palavras horríveis na porta do hospital no Recife. Elas lembravam que o aborto após estupro tem amparo legal no Brasil, que gravidez forçada é tortura e que gravidez aos dez anos pode significar Morte. 
E insistiam: “Pela vida das meninas e das mulheres. Legaliza. É pela vida das mulheres!”.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 21/8/2020. 

2 Comentários para “Brasil, país infeliz”

  1. O site de notícias “Metrópoles” publicou ontem a seguinte mensagem:
    “O papa Francisco publicou um pedido nas redes sociais: que não se use a religião para “aterrorizar as pessoas”. “Peço a todos que parem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego”. Viva Francisco! Grande Papa!

  2. Grande Papa Francisco!

    E grande Maria Helena! Beleza texto, caríssima!

    Sérgio

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