Um governo em luta contra si mesmo

O governo Bolsonaro se parece com a “Quadrilha” de Carlos Drummond de Andrade – com o detalhe de que ali todos são como a Lili, que não amava ninguém. Na quadrilha de Bolsonaro, fulano fala mal de fulano que critica sicrano que não suporta beltrano que vai a público desancar com fulano.

No poema drummondiano, “João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém”.

No governo que parece que está para começar agora, com Jair Bolsonaro retornando a Brasília após 17 dias internado no Hospital Albert Einstein em São Paulo, é assim:

* Carlos, o filho número 2, diz que o ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência, mente absolutamente. Ele postou no Twitter que “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebbiano (sic) que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro para tratar do assunto citado pelo Globo e retransmitido pelo Antagonista”.

O tal assunto é irregularidades na gestão de dinheiro do fundo partidário que coube ao PSL, o partido de Bolsonaro, nas eleições de outubro.

Insistindo, para que fique ainda mais claro: no exato dia em que finalmente Jair Bolsonaro tem alta do hospital, e viaja para Brasília para enfim assumir a presidência da República, o filho número 2 xinga o ministro da Secretaria-Geral de mentiroso absoluto!

Que tato! Que educação. E que timing perfeito!

Gente chegada a uma teoria conspiratória da História poderia aventar a hipótese e que Carlos, o filho número 2, está a soldo do PT. Do marxismo cultural.

Enquanto eu escrevia este texto – a noite da quarta, 13/2 – surgiram dois novos componentes nessa história: o próprio presidente Bolsonaro endossou as postagens do filho Carlos, que dizem que o ministro Bebianno mentiu; e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, saiu em defesa de Bebbiano. Portanto, em briga contra o filho do chefe – e contra o chefe.

* Flávio, Carlos e Eduardo, os filhos respectivamente números 1, 2 e 3, não suportam o general Hamilton Mourão, o vice-presidente da República, e fazem o que podem para colocar o pai contra seu substituto constitucional.

* Alguns ministros também não vão com a cara – e com as opiniões, a cada dia mais lúcidas, serenas, sensatas – do general vice-presidente. E isso explicaria por que essa situação absurda de o país ter ficado duas semanas sem alguém efetivamente na Presidência da República.

* A ministra da Agricultura se choca com o todo-poderoso ministro da Economia: Paulo Guedes planeja cortar as linhas de crédito com taxas subsidiadas para o agronegócio, mas a ministra Teresa Cristina diz que um “desmame” radical pode desarrumar o setor, responsável por 20% do PIB do Brasil. E não é – como mostrou o Estadão em editorial – que a ministra tem razão?

* Para a eleição da presidência da Câmara, Onyx Lorenzoni, o já citado ministro-chefe da Casa Civil, não apoiou Rodrigo Maia (DEM-RJ), embora Maia fosse o favorito, pertencesse ao mesmo partido de Lorenzoni, e se mostrasse favorável à reforma da Previdência, pauta prioritária do governo. Dá para imaginar que Maia, eleito com maioria expressiva de 344 votos, não tenha muito interesse em tratar bem os assuntos que vierem a ser encaminhados pela Casa Civil do governo.

* Para a eleição da presidência do Senado, Onyx Lorenzoni defendeu o nome do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendia o velho e ruim Renan Calheiros (PMDB-AL); achava que Renan, experientíssimo, poderia ajudar o governo a aprovar os projetos de seu interesse. Como Onyx ganhou a parada, dá para imaginar que Renan virá com todo o ódio do mundo para cima dos projetos do governo.

* O líder do governo na Câmara, o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), e o chefe da Casa Civil se chocam. Como informou reportagem de Vera Rosa no Estadão de terça-feira, 12/2, o deputado disse a colegas que, quando trabalhou contra Renan Calheiros, Onyx não estava agindo em nome do presidente Jair Bolsonaro: “Onyx é interlocutor político do governo, mas não é o governo. Foi impróprio o que ele fez. Agora, vamos curar as feridas. Nós precisamos do MDB, assim como do PP do Esperidião Amin, por exemplo”, disse – com bastante propriedade – o deputado Major.

* A indicação do Major Vítor Hugo (PSL-GO) para líder do governo na Câmara foi idéia do presidente Jair Bolsonaro, e só dele – embora o Major Vitor Hugo esteja em seu primeiro mandato, e portanto não conheça ainda o funcionamento das coisas nem as pessoas ali no Parlamento. Na semana passada, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, sugeriu que outro nome seja escolhido para a função.

É bom repetir, para tentar deixar mais claro: o deputado Delegado, líder do partido do presidente Bolsonaro na Câmara, critica a escolha do deputado Major. E, para tanto, usou um argumento absolutamente cristalino: “Acho que a liderança tem que ser ocupada por um parlamentar que tenha bastante experiência”.

* O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, inventou de brigar contra a memória de Chico Mendes, um ícone, um dos maiores símbolos da luta pela conservação da Amazônia – e esse é um caso que ilustra perfeitamente como este governo gasta munição à toa. Meu Deus do céu e também da Terra, para que um ministro do Meio Ambiente inventa de brigar contra o símbolo da preservação do meio ambiente? O que ele ganha com isso? O que o governo ganha com isso?

Deu no que deu. Uma grande celeuma aqui, uma repercussão feia lá fora, matéria nos maiores e mais importantes jornais do mundo. Deu no New York Times, é claro – mas talvez o ministro ache que é “irrelevante” o que diz o New York Times.

* O general Mourão parece mesmo disposto a falar algo sensato a cada vez que alguém de seu governo fala asneira. Os defensores de Bolsonaro e seu governo dizem que o general Mourão fala demais, mas fazer o quê? A questão é que há sempre alguém do governo falando disparate. “O Chico Mendes faz parte da História do Brasil na defesa do meio ambiente”, disse o general, em defesa da lógica, do bom senso.

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O governo Bolsonaro age como se o país não tivesse problema, fosse a perfeição absoluta, uma Suíça, uma Suécia, Xanadu, Shangri-lá – e então fosse preciso criar algum, para presidente e ministros terem alguma coisa para fazer.

É a mais pura tradução daquele dito popular segundo o qual se não tem pobrema, nóis inventa.

O general Augusto Heleno, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, disse: “Estamos muito preocupados e querendo neutralizar isso aí”. “Isso aí” é, conforme informou a repórter Tânia Monteiro no Estadão de domingo, 10/2, o Sínodo sobre a Amazônia – a reunião de bispos de todos os continentes que o papa Francisco marcou para outubro.

“Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias”, diz a reportagem de Tânia Monteiro. “O alerta ao governo veio de informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares. Os informes relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco, no Vaticano, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia, que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes. Durante 23 dias, o Vaticano vai discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma ‘agenda da esquerda’.

O general Augusto Heleno parece ter declarado guerra à Igreja Católica Apostólica Romana!

Como bem disse no Facebook o sábio Tibério Canuto Queiroz Portela: “Uma velha raposa dizia que o bom político não briga com três instituições, pois sairá sempre perdendo. São elas: 1 ) A instituição mãe. 2) A imprensa 3) A Santa Madre Igreja.”

E concluía: “Bolsonaro já conseguiu brigar com a Imprensa e a Santa Madre Igreja”.

No Estadão, Eliane Cantanhêde foi perfeita:

“Alguém pode explicar por que, raios, o governo Bolsonaro precisava abrir mais um flanco e mirar na secular e poderosa Igreja Católica? Logo quando precisa concentrar energias e ampliar o leque de aliados para aprovar a reforma da Previdência e o pacote anticorrupção? (…) A Igreja Católica pode não estar no seu melhor momento, com suspeitas, denúncias e perda de fiéis para as denominações evangélicas, mas ainda é… a Igreja Católica. Está em toda parte, tem ramificação, tem eco, tem contato direto com as populações mais distantes e mais desamparadas pelo Estado. E canais no exterior.”

E mais adiante:

“O governo já trata o Itamaraty, a mídia, o Coaf, as ONGs, as universidades e as escolas, além dos ambientalistas e indigenistas… como inimigos. Aliás, como esquerdistas ávidos para destruir os valores cristãos do Ocidente e, junto com eles, o próprio governo brasileiro.

“É assim, criando fantasmas e inimigos comuns, que o bolsonarismo vai alimentando seu ‘braço armado’ na internet, que atira para todo lado, indiscriminadamente. Não viu, não ouviu, não leu ou não entendeu nada, mas já não gostou. Incluir a Igreja Católica nesse balaio para quê?

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Isso tudo aí acima para não falar dos Três Patetas, os pancadões Damares, Vélez e Araújo, os que brigam, furiosamente, loucamente, insanamente, não apenas contra pessoas e instituições, mas contra a lógica, a inteligência, o bom senso.

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Quando ouvem críticas, os bolsonaristas chamam quem critica de petista, comunista, essas coisas. Dizem que quem critica torce contra o país.

Nunca é demais repetir: torço pelo Brasil. Torço para que o governo Bolsonaro consiga fazer as reformas fundamentais, necessárias, imprescindíveis.

Quem parece torcer contra o governo Bolsonaro são as pessoas que integram o governo Bolsonaro.

13/2/2019

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