Parque, o Minhocão já é. Quando tiver dinheiro, é derrubar

Aos 69 anos bem vividos, bem fumados e bem bebidos, participei pela primeira vez de uma prova de 5 quilômetros, uma Track & Field Run Series. A saída e a chegada eram no Memorial da América Latina, e praticamente todos os 5 quilômetros eram no Minhocão – desde o Largo Padre Péricles, em Perdizes, até a altura da Marquês de Itu, já em Santa Cecília, junto do Centro. Ida e volta.

Foi uma experiência maravilhosa. Senti uma imensa alegria, um enorme prazer – por tudo. Por estar numa festa com minha mulher e minha filha – sim, uma prova, uma corrida, é uma festa, uma comemoração grupal, coletiva, um troço cheio de energia positiva, pra cima. E por estar participando de uma grande festa na rua, ao ar livre, no meio, no coração de São São Paulo Mon Amour.

Claro, ficamos juntos desde que chegamos ao Memorial, para os preparativos, o aquecimento, até o início da prova. Dada a largada, Fernanda chispou com a força de sua juventude e sumiu de vista. Mary chispou também, e eu fiquei lá para trás, sem correr, apenas caminhando – nesse tipo de competição, muita gente vai para apenas caminhar; eu não era um animal estranho, de forma alguma.

Há muito tempo Mary e eu temos desenvolvido uma coisa que chamamos de Sampa a Pé: em alguns fins de semana, escolhemos um lugar da cidade e saímos caminhando. Fazemos 5, às vezes 6 km, e aí ou pegamos um metrô pra perto de casa ou um táxi – ou paramos num boteco pra tomar umas ou muitas, que ninguém é de ferro. É uma atividade danada de saudável, para o corpo, para a cabeça e para o coração – conhecer mais e mais esta cidade caminhando é algo de fato apaixonante.

Mas a tal da competição, em que você corre e/ou caminha juntamente com mais de 2 mil, às vezes 3 mil pessoas, é muito, muito especial. Nossas caminhadas, nosso Sampa a Pé, vira fichinha diante do que é participar de uma festa ampla geral irrestrita ecumênica.

E, ao caminhar em cima da porra do Minhocão, eu enchia o peito, estufafa o peito de pura alegria e amor pela cidade que escolhi para viver.

Nem uma puta chuva que começou quando eu estava passando de volta por cima da Praça Marechal Deodoro, faltando ainda uns 20 minutos para a chegada, e que foi só piorando até eu ser recebido no Memorial por Fernanda, Marina e Carlos, me tirou a alegria, o bom humor.

Claro que publicamos algumas das muitíssimas fotos que os profissionais contratados pela organização fizeram de nós durante o percurso. A foto em que eu aparecia mostrava claramente que eu estava no Minhocão.

Foi aquela que fez meu amigo Valdir Sanches resolver fazer uma crônica sobre o Minhocão.

Só que, como ele mesmo confessou, queria fazer uma gracinha – mas acabou fazendo quase uma reportagem.

É isso: sobre o Minhocão, não dá pra fazer gracinha.

O Minhocão é uma coisa séria demais pra gente fazer gracinha. Ninguém consegue. Nem mesmo o Valdir, com todo o seu bom humor, seu texto elegante, suave, fino.

***

Então, agora, falando mais sério ainda:

Não tem sentido investir um centavo que seja para transformar parte do Minhocão em um parque, que é o que o prefeito Bruno Covas planeja.

Besteira. Idiotice absoluta.

A rigor, o Minhocão já serve como um parque, como uma área de lazer. Em sucessivas decisões, tomadas por vários prefeitos, o uso do Minhocão pelos carros foi sendo restringido, desde 1976, quando se decidiu que, pelo bem dos milhares de moradores próximos dele, o trânsito seria fechado durante a madrugada. As restrições vieram aumentando. A partir de 1989, ele passou a ficar fechado das 21h dos sábados até as 6h das segundas – o que permite que famílias inteiras usem suas faixas como área de lazer no domingo. A partir de abril de 2018, os carros passaram a ser proibidos das 20h30 das sextas até as 7h das segundas.

Mary e eu caminhamos pelo Minhocão numa tarde de domingo, num dos nossos Sampa a Pé. É uma festa, uma alegria.

O Minhocão já é um parque.

Não precisa fechar permanentemente um pedaço, para dizer que criou uma High Line paulistana. Isso seria caro e supérfluo.

Melhor ir com calma, fazer mais estudos, pesquisas.

E depois, tudo muito bem analisado, derrubar de vez o horror.

O Rio de Janeiro derrubou a Perimetral, o Centro ganhou de novo a Baía da Guanabara.

Por que não podemos ganhar de novo a Avenida São João?

O que, os carros?

Os carros que fiquem em casa. Agora temos metrô.

20/5/2019

A foto do alto é de Joel Nogueira/Fotoarena,

Trilogia Minhocão, Parte 1 – Nem o construtor suporta o Minhocão.

Trilogia Minhocão, Parte 2 – O menos ruim é não fazer nada com o Minhocão

2 Comentários para “Parque, o Minhocão já é. Quando tiver dinheiro, é derrubar”

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