O Grande Irmão na sala de aula

Problemas não faltam na Educação brasileira: insuficiência na formação inicial e continuada dos professores, falta de foco na aprendizagem, evasão escolar, baixa qualidade do ensino.

Falta sobretudo uma grande articulação que seja capaz de estabelecer um pacto entre o Estado, educadores, famílias, iniciativa privada e terceiro setor com vistas a alavancar a Educação. Sem um salto de qualidade o Brasil não alcançará o crescimento sustentado nem superará a desigualdade social.

Esse deveria ser o foco de um governo que recebeu do seu antecessor avanços importantes como a reforma do ensino médio e a definição da Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Deveria, mas não é. Desde o início, a gestão Bolsonaro se dedica a manobras diversionistas que não atacam uma única das inúmeras mazelas do nosso sistema de ensino.

A mais nova artimanha foi a criação de um canal para receber denúncias de conteúdos ministrados na escola que, no entendimento da ministra da Família e Direitos Humanos e do ministro da Educação, atentem contra a moral, a religião, a ética e a família.  Por meio dessa central, o governo quer transformar milhões de alunos nos os olhos e ouvidos do “Grande Irmão” na sala de aula.

O Big Brother de Damares Alves e Abraham Weintraub é uma resposta enviesada e equivocada a um problema real: a leitura unilateral e de conteúdo esquerdista por parte de alguns professores na interpretação de fenômenos e da ciência. Nos anos do lulo-petismo essa visão distorcida se tornou política oficial, provocando danos como o atraso na definição da BNCC.

Mas não se corrige um erro com outro. A agenda ideológica, seja ela de esquerda ou de direita, sempre será um entrave para a formação dos alunos, como profissionais e cidadãos. Ambas prestam desserviço à Educação.

O estímulo ao denuncismo e à manipulação de crianças e adolescentes são típicos de regime totalitários. O expediente foi largamente utilizado na Alemanha hitlerista, na China de Mao ou na União Soviética de Joseph Stálin.  O canal criado por Damares e Weintraub poderia inspirar livros de ficção como o clássico 1984, de George Owell. Mas, infelizmente, não se trata de boa ficção e sim de desalentadora realidade.

Como medida intimidatória, atenta contra a liberdade de cátedra. Perigosamente delega ao Estado definir o que é moral e quais devem ser os valores da família. Imiscui-se ainda em questões de crença. A Constituição é muito clara quanto ao caráter laico do Estado bem como sobre a liberdade acadêmica.

País nenhum do mundo se desenvolveu e tornou-se uma sociedade mais justa elegendo professores como inimigos da Educação. Por sua própria natureza, o ar que a educação respira é o da liberdade. Estigmatizar professores, torná-los alvos de cruzadas moralistas e reacionárias é criminoso porque compromete o futuro de nossas crianças e adolescentes.

Não estamos diante de um caso isolado. A priorização de uma agenda ideológica na Educação tem sido a constante desde a passagem relâmpago e deletéria do ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez. Com pouca intimidade com a gramática e a ortografia, o atual ministro Weintraub associou o tom folclórico do seu antecessor com uma inédita truculência verbal.

Em especial, nutre um ódio particular às instituições universitárias. Em vez de tê-las como parceiras, faz acusações levianas sem demonstrar qualquer evidências. Já acusou-as de centro de balbúrdias, agora de ter plantações ostensivas de maconha. Sua irresponsabilidade não tem limites.

É mais fácil partir para baixarias e culpar professores pelo desastre educacional do que desempenhar o papel de articulador e liderança de um grande pacto.

A guerra ideológica do Grande Irmão da Educação serve de manto para encobrir a incompetência de um ministro que tumultua o ambiente escolar, cria divisões desnecessárias e é um deserto de idéias e projetos para alavancar a Educação.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 27/11/2019. 

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