Faça amor, não faça a guerra

Woodstock completa 50 anos nos próximos dias representando muito mais que sexo, drogas e rock’n’roll.

O lendário festival de música foi, sobretudo, um grito de ideais grandiosos que abriram caminho para enormes avanços em diversos campos dos direitos humanos.

Realizado em uma fazenda das imediações da cidade de Bethel do Estado de New York nos Estados Unidos, Woodstock significou o protesto pacífico e visionário da geração baby boomer contra os horrores da guerra do Vietnã e contra um mundo imerso na guerra fria, que poderia desaguar no holocausto nuclear.

Foi também o inconformismo de toda uma geração com o “american way of life” que no pós Segunda Guerra tinha se tornado em modelo para o mundo ocidental e cristão. Woodstock representou ainda um grito libertário contra a repressão sexual e o código puritano da sociedade americana. Por tudo isso, foi o marco da contracultura que varreu os Estados Unidos na era de Aquário.

Impossível dissociá-lo dos movimentos pacifistas, da luta pelos direitos civis, dos movimentos feministas e da luta contra a discriminação racial, expressa no protesto dos atletas negros John Carlos e Tommie Smith na Olimpíada do México, em 1968. Ou de símbolos como John Lennon, Ângela Davis, Bob Dylan, Joan Baez e de Muhammad Ali, com seu jogo de pernas no ringue.

A geração Woodstock se recusava a ser usada numa guerra que não era sua. Rejeitava a violência como forma de se alcançar a felicidade, até porque viu dois dos seus ídolos – Robert Kennedy e Martin Luther King – serem assassinados por intolerância política. Se negava ao ódio e trazia uma mensagem de generosidade e sabedoria ao pregar “faça amor, não faça a guerra”.

Aqueles jovens com seus cabelos longos e roupas coloridas não foram compreendidos pela direita horrorizada com sua pregação do amor livre, mas também por uma esquerda que se recusava a entender a mensagem que estava por trás da guitarra de Jimmi Hendrix ao tocar o hino norte-americano com acordes que pareciam de bombas caindo sobre crianças vietnamitas.

A direita os via como promíscuos e fazia uma associação mecânica entre o rock, sexo e drogas, como se estes três elementos fossem coisas satânicas. E a esquerda os estigmatizava, taxando-os de alienados por não comungarem de sua pregação de uma utopia do sacrifício, que postergava o direito à felicidade até a conquista do paraíso por meio de uma revolução violenta. Se a direita era moralista e retrógrada, a esquerda era castradora da realização pessoal.

A revolução que propugnavam era outra. Era a revolução das flores, dos costumes, de quebrar tabus ao fazer da transgressão juvenil uma poderosa arma contra o estado das coisas. Sua prática transgressora e seu discurso difuso tinham pontos em comum com a crítica do filósofo alemão naturalizado norte-americano Herbert Marcuse  ao cerceamento às liberdades individuais.

Marcuse foi um visionário. Previu, antes de todos, que a sociedade industrial chegaria a um ponto em que burgueses e proletários, classes responsáveis pelo movimento da História desde o advento do capitalismo, se tornariam defensoras do status quo. O Brexit e o governo Trump estão aí a provar que Marcuse estava certo.

Meio século depois de Woodstock, é possível visualizar seu legado. O idealismo, tão presente em uma juventude que se espelhou no princípio da não violência pregado por Gandhi, atualmente é visível nos militantes do GreenPeace ou em ativistas que se dedicam a salvar imigrantes no Mar Mediterrâneo.

Se hoje muitos se orientam por valores universais (como direitos humanos, causas identitárias, liberdade de expressão, preservação do ambiente) e reivindicam as garantias das leis do moderno Estado democrático (ainda que seja para transgredi-lo), isto deve-se muito àqueles jovens cuja alegria e mensagem de paz se espalharam pelo mundo.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 7/8/2019. 

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