Sem fantasia

Carnaval e política sempre se misturaram. Nos desfiles com enredo social e em sambas-denúncia, nos bonecos e máscaras, nas marchinhas e paródias sobre escândalos e contra os caciques do momento. Tudo com bom humor e alegria. A diferença de uns tempos para cá é que a alegoria, própria dos dias de Momo, tomou conta da política 365 dias por ano. Quase todos metidos nela parecem viver no país da fantasia.

Desnecessário desfiar casos como o de Cristiane Brasil e seu séquito de descamisados ou de servidores públicos togados que reivindicam manter privilégios com discurso de quem quer acabar com eles. Nessa linha das regalias, ainda que o pagode de ocasião se concentre na Magistratura, há incontáveis blocos em todos os cantos da República, em todos os estados e municípios.

Para muitos a farsa típica do Carnaval é modo de vida: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os seus são exemplos bem-acabados disso.

Em incansável delírio, querem fazer crer que todos os procuradores, investigadores, testemunhas e juízes de duas instâncias – além da imprensa, por óbvio – afinaram-se para impedir o desfile do ex e sua “consequente vitória”. E, mesmo com ele legalmente impedido de se candidatar de acordo com a Lei da Ficha Limpa, ameaçam colocar o bloco na rua.

Tentativa que já se mostrou pouco eficaz quando não há abadás para serem generosamente distribuídos.

Lula, que na sexta-feira amargou mais uma derrota justo na estreia de sua mais recente aquisição na defesa, o ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence, está mergulhado em cinzas.

Em favor dele até correm marchinhas como a Quero ver cadê a prova, divulgada com entusiasmo pela presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann.

O PT chegou a definir como estratégia lançar marchinhas para popularizar a “inocência” de Lula. Mas não colou. Pelo menos até agora.

De cara, foram contestadas pelos Marcheiros, em Tio Lu lá no xilindró. E perderam feio para Bolsomico, crítica cruel ao pré-candidato Jair Bolsonaro e, de quebra, ao prefeito tucano João Doria.

Mas justiça seja feita: ninguém conseguiu bater o ministro Gilmar Mendes, hit maior deste Carnaval, cantado em meia dúzia de marchas. A melhor delas, Alô, Alô, Gilmar, é assinada por João Roberto Kelly, autor das deliciosas e inesquecíveis Olha a Cabeleira do Zezé, Maria Sapatão e Mulata iê-iê-iê, condenadas pela chatice do politicamente correto.

Fazer chacota de personalidades e até zombar das amarguras do dia a dia estão no DNA do Carnaval. São parte do espírito criativo e brincalhão do brasileiro. Mas nem de longe autorizam a folia cotidiana das autoridades, a ladroagem, distribuição de favores, privilégios e regalias.

Recado dado, não mais adianta insistir na fantasia.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 11/2/2018. 

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