Os sinais de fumo da realidade

Eis o que faz do cinema uma arte, o involuntário humor da realidade. Cinco histórias.

A vingança dos índios. O produtor do western Fabulous Texan, esganado de autenticidade, contratou índios autênticos para criarem os sinais de fumo com mensagens correctas. Os índios foram impecáveis e o produtor desfez-se em agradecimentos. Diz-lhe um: “Oh, foi fácil, aprendemos a fazer os sinais com os vossos westerns.”

Casamento proibido. O produtor de That Hagen Girl fez um teste com público antes da estreia. Numa cena, Ronald Reagan dizia, com voz de manteiga, à namoradinha da América, Shirley Temple: “Casas comigo?” A sala veio abaixo com um raivoso coro de “Oh, não, não, não.” A cena foi cortada do filme.

Os donos de Casablanca. Os manos Marx pensaram numa sátira ao glorioso Casablanca, de Bogart e Ingrid Bergman. Os manos Warner, produtores do original, inquietaram-se, ameaçando com um processo. O intelectualíssimo Groucho Marx respondeu-lhes: “Não sabia que os irmãos Warner eram os proprietários de Casablanca. Mas mesmo que decidam reexibir agora vosso filme, julgo que o espectador médio vai conseguir, com o tempo, distinguir Ingrid Bergman de Harpo Marx.”

À bomba ou a tiro? Os americanos não papam a realidade nua a que os europeus se obrigam. Vejamos. Em 1946, no atol de Bikini, fizeram o ensaio atómico que mitificou o local. Roubando o nome à personagem a que Rita Hayworth deu o corpo que a divina genética lhe desenhou, chamaram Gilda à bomba atómica. Fantasia nuclear.

Agora, o cru realismo europeu. O filme La Bataille du Rail homenageava a resistência francesa. Os meios eram precários, não havia acessórios, nadinha, nem balas simuladas. Os figurantes eram mesmo resistentes e, numa cena de ataque a um comboio, disparavam sobre uma carruagem com balas reais, supondo-a vazia. Lá dentro, o técnico de som, Constantin Evangelou, escapou por um triz com vida.

De onde vem a música? Hitchcock não queria música no seu Lifeboat. Era o filme de um minúsculo salva-vidas na vasta solidão do oceano. O espectador, irritou-se Hitchcock, vai perguntar, defraudado, de onde raio é que vem a música. David Raksin, compositor lendário de Hollywood, ripostou com lógica: “Que me diga onde raio é que, no meio do oceano, pode estar a câmara, e logo lhe direi de onde vem a música.”

Este artigo foi originalmente publicado no jornal português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a velha ortografia.

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