Maioria barulhenta reformou a política

Partidos e políticos tradicionais tinham concebido o modelo perfeito para se perpetuarem no poder, com o engessamento da eleição por meio de regras que inviabilizavam qualquer renovação política. Campanha mais curta, recursos do financiamento público concentrados nas mãos dos caciques partidários e tempo televisivo assegurariam a reeleição dos atuais parlamentares, bem como a continuidade do presidencialismo de coalizão.

Só não combinaram com os eleitores.

Abertas as urnas, viu-se que a maioria nada silenciosa implodiu o sistema, promovendo uma renovação que só encontra similar na longínqua eleição plebiscitária de 1974, quando o eleitorado deu um sonoro não à ditadura militar. O resultado de 2018 não é só contra o petismo, mas contra a classe política e quase tudo que se identifique com a velha política, seja de esquerda ou de direita. O PSDB, o MDB e o PT, em graus diferentes, foram profundamente atingidos pelo tsunami eleitoral.

Não necessariamente isto redundará em um Parlamento melhor, até porque, na onda anti-sistema, foram ceifados políticos com larga folha de bons serviços prestados ao país. E muita coisa nova pode se revelar velha. Mas a bomba de Hiroshima jogada no velho e carcomido mundo da política não deixa de ser positiva, sobretudo se os partidos tradicionais tiverem a humildade de reconhecer seus erros e promoverem seu aggiornamento.

Parte ponderável dos parlamentares que agora chega ao Congresso não deve sua eleição a mecanismos tradicionais e sim por ter sabido surfar na onda. Um Parlamento mais pulverizado e com grandes partidos fragilizados diminui o espaço de barganha da cacicada que sempre deu as cartas no Congresso Nacional.

Imaginava-se um Jair Bolsonaro, se eleito, dependente, sem base parlamentar e, portanto, frágil diante do Congresso.

As urnas desmentiram cabalmente tal estimativa. De partido nanico, seu PSL pulou para a segunda bancada na Câmara Federal. Se Lula foi o grande eleitor nos anos dourados do lulo-petismo, o grande eleitor de 2018 foi Bolsonaro, como comprovam as disputas para governador do Rio, Minas Gerais, Paraná e outros Estados. Quem se elegeu na sua onda terá mais fidelidade a ele do que à legenda. Em síntese, o presidencialismo de coalizão no mínimo será redesenhado, se é que continuará.

Gostemos ou não, Bolsonaro está em sintonia com uma maioria barulhenta que vem gritando desde 2013 contra a qualidade dos serviços públicos e contra a corrupção. As jornadas do impeachment amplificaram sua insatisfação com o mundo da política inteiramente alheio aos seus anseios por honestidade e segurança.

Solenemente a classe política e seus partidos fizeram ouvido de mercador ao barulho das ruas e das redes sociais. Imaginaram que passariam impunes nas eleições, como se a Lava-Jato e a violência que aterroriza a população não repercutissem nas urnas.

O PSDB foi duramente punido porque frustrou as expectativas de um eleitorado que votou massivamente nos tucanos em 2016. Já o PT, com a sua petulância de sempre, se recusou a reconhecer qualquer delito entre os diversos que cometeu e fez da defesa de Lula sua principal bandeira. Imaginar ser possível reverter sua derrota no segundo turno apenas com a demonização de Bolsonaro é o caminho mais rápido para uma nova derrota.

No passado Lula era o efeito teflon. Hoje Bolsonaro é esse fenômeno. Nada cola nele porque representa o anti-sistema, o diferente de tudo o que está aí.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 10/10/2018. 

 

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