Ilha dos Amores em Hollywood

Era tudo proibido e havia portanto toda a liberdade. Tenho estes dois olhos que a terra há-de comer apontados a Hollywood e, em Hollywood, a essa pequena porção de paraíso que era a MGM.

Lembro a tradição que começou no Natal de 1931. O católico Eddie Mannix deixou partir o patrão, Louis B. Mayer, ecumeníssimo judeu, e deu ordens: cada um bebia o que quisesse e cada um podia fazer sexo onde quisesse com quem, consentindo, quisesse. É de católico! Num impulso camoniano, eriçados actores, lânguidas actrizes, electricistas faíscantes, carpinteiros de poderoso martelo, as hábeis jovens de dedal e guarda-roupa transformaram o estúdio numa cantante ilha dos amores.

Não emprestarei a débil escrita aos suspiros e ais desse reaccionário convívio anti-luta de classes que foi, por alguns anos, a secreta e nua tradição natalícia da MGM. Se escrevo é para cantar a dignidade do amor do século, esse segundo em que os falecidos imortais Greta Garbo e John Gilbert se apaixonaram. Eram as estrelas de Flesh and the Devil e esbarraram um no outro nos ensaios. “Hello Greta”, disse Gilbert com uma bonomia que, frigidérrima, a sueca logo congelou: “My name is Miss Garbo”.

Pois está claro: mal começaram a trabalhar, duas noites depois era tiro, queda e cama. A MGM do pudico Louis B. Mayer escondia os leitos transgressores das suas estrelas. Mayer sentiu que este era um mundo às avessas e escancarou a informação. Garbo e Gilbert passaram a viver juntos e os mirones tentavam trepar os muros da mansão para ver uma ponta de lençol, uma lasca de perna ao sol na piscina, a cama de mogno africano, misteriosa madeira que confere ao amor outra funda escuridão.

Quem revir hoje Flesh and the Devil vê dois corpos apalpantes com sede um do outro, beijos de boca aberta que o cinema não dava. A desabrida paixão de Gilbert quis casar. Garbo aceitou. A elite da MGM a postos, só faltava chegar Garbo. Ainda hoje lá estariam à espera, não tivesse Mayer desistido.

Gilbert chorava na casa de banho. O patrão foi brutal: “Não te basta comê-la, para quê casar?” Um rebate lírico-passional levou as mãos do actor ao pescoço do patrão. Matava-o ali se o católico Mannix não o salva. Gilbert voltou à cama de Garbo, antes de Garbo ir para outras camas. Mayer serviria fria a vingança.

Este artigo foi originalmente publicado no jornal português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com 

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a velha ortografia.

Flesh and the Devil no Brasil é O Diabo e a Carne.

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