Crônica da eleição do horror (9)

Dia nº 9 – Terça-feira, 16 de outubro

O país está fugindo da questão principal sobre Bolsonaro

Não, o país não vai virar uma ditadura com a eventual (e a esta altura muitíssimo provável) eleição de Jair Bolsonaro.

Essa obviedade – de que duvidam apenas os inocentes, os mal intencionados e os mal informados – é o ponto de partida de um artigo fascinante de Carlos Andreazza publicado no Globo desta terça-feira, 16/10.

O editor – foi responsável pela área de não ficção e literatura brasileira da Record – argumenta, com brilho, que é errada a insistência do PT e dos setores todos que condenam a candidatura de Jair Bolsonaro em desqualificá-lo como autoritário, machista, homofóbico, defensor da ditadura, dos torturadores.

Bolsonaro é tudo isso – mas ele deveria estar sendo atacado por uma outra questão completamente diferente: pelo fato de que jamais demonstrou qualquer tipo de competência administrativa.

A pergunta que deveria estar sendo feito é: Bolsonaro tem competência para governar?

E o próprio Carlos Andreazza dá a resposta – a resposta óbvia, clara, límpida, que, por sua vez, só as pessoas que se tornaram cegas pela admiração que sentem pelo capitão autoritário e reacionário não enxergam: não, ele não tem competência para governar.

Eis trechos do artigo, que tem o título de “A eleição delirante”:

“Bolsonaro é autoritário e iliberal, defensor de nicho corporativo e de passado avesso ao reformismo, com um histórico de manifestações reacionárias e de realizações inexistentes, que encaixou discurso conservador, moralizador e voluntarista, projetando ser, uma vez eleito, aquilo que jamais foi, em função de quem já se forma uma nova corte, de extração collorida, com familiares como interlocutores privilegiados e uma órbita gulosa e influente de lobistas, e a respeito de quem, portanto, só uma pergunta se deveria fazer — a única que não se faz: tem competência para governar? Alguém é capaz de desenhar o programa bolsonarista de gestão para o país? Ou a agenda será exclusivamente o combate à corrupção, como se tal fosse o principal problema (está longe de ser)? Falo do mundo real, aquele em que as pessoas precisam de emprego e em que o risco não é de venezuelização nem de ascensão do Hitler, mas de se eleger uma nova Dilma.

“Em vez de a histeria que anuncia o provável futuro presidente como aquele que virá para cassar a democracia, melhor seria empenhar esforço em compreender o que é orgânico fenômeno político e as limitações de quem o materializa. A ascensão de Bolsonaro, por exemplo, pode ser explicada pelo comportamento de Haddad no segundo turno, dedicado a convencer o eleitor de que, luloposte do líder preso de um projeto partidário de poder que assaltou o Estado por 13 anos, de súbito encarna a esperança democrática do país. (…)

“(Bolsonaro é|) a expressão ressentida de uma revolta popular gestada lentamente, a do pai que nunca sabe se a filha chegará em casa. Xingar o mensageiro, pois, é ofender o mesmo cidadão, então virtuoso, que no passado elegeu FHC e Lula. Desqualificá-lo pelo que não é só nos afastará da pergunta urgente, a do mundo real, a da ressaca encomendada: Bolsonaro tem competência para governar? Não.”

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Bolsonaro deveria dar sinais de que não fará um “governo militar”

Em sua coluna no Estadão desta terça-feira, 16/10, Eliane Cantanhede alerta para os riscos de uma tutela militar sobre um governo Jair Bolsonaro – um governo que terá vários militares.

Ela fala da dúvida: “Até que ponto um governo com forte apoio de militares e com participação de altas patentes poderá contaminar as Forças Armadas, com a volta da politização, dos grupos e das consequentes disputas internas de poder?”

E prossegue:

“Ninguém, dentro e fora do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, considera possível ou viável um golpe militar clássico a esta altura, mas quem descarta uma democracia tutelada, ou seja, uma tutela militar sobre o governo civil democraticamente eleito? (…)

“O problema é saber qual será a simbiose entre o governo Bolsonaro e as Forças Armadas. Mourão, Oswaldo Ferreira, Aléssio Ribeiro Souto e Augusto Heleno são da reserva, mas todos chegaram a generais de quatro estrelas, o mais alto grau da carreira, e conviveram a vida inteira com o atual Alto-Comando do Exército. Mourão, inclusive, fazia parte dele. As visões de mundo, de política e de comportamento são iguais, assim como a velha visão ‘nacionalista’ da economia.

“Além de condenar duramente a violência na campanha, Bolsonaro deveria também parar de defender a ditadura e dar sinais de que não fará um ‘governo militar’, assim como os comandantes deveriam deixar claro que a candidatura, por mais apoios que tenha de militares, não é das Forças Armadas. Isso pode reduzir dois temores: o dos civis diante da volta do regime militar, e o dos militares diante da contaminação política dos comandos e das tropas.

“Para começar, ele deve parar de desacreditar as urnas eletrônicas, elogiadas no mundo todo. E deve desestimular as fake news grosseiras e os ataques ao MP, ao meio ambiente, às reservas indígenas, aos currículos das escolas e, claro, à mídia. Governo entra, governo sai, a mídia continua no mesmo lugar: crítica, vigilante, um contrapeso às verdades de ocasião e às tentações do poder. É seu papel na democracia.

“FHC tem mágoa da mídia, o PT vivia às turras com a mídia, os bolsonaristas se unem contra a mídia. Mas, se é ruim com ela, é muito pior sem ela. Não é, Venezuela?”

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Mas, diabo, quem convidou o Cid Gomes?       

Deve estar absolutamente infernal o clima entre os grão-petistas, a cúpula do partido, a coordenação da campanha de Fernando Haddad. Só não dá para saber qual das duas gigantescas porradas que a campanha levou na segunda-feira, 15/10, foi a que doeu mais: se a pesquisa Ibope, se a fala de Cid Gomes em evento da própria campanha em Fortaleza.

Os números do Ibope são de matar qualquer ânimo. Depois de uma semana inteira de segundo turno, faltando menos de duas semanas para a votação final, não houve movimento positivo algum, segundo indicam os números do Ibope. Jair Bolsonaro tem 59% dos votos válidos, contra 41% de Haddad. Ou seja, 18 pontos percentuais de diferença. Uma coisa em torno de 19 milhões de votos, se não estou enganado.

Os números mostram exatamente o mesmo quadro que já havia sido apontado pela Datafolha na quarta-feira passada, dia 10/10. Pelo Datafolha, Bolsonaro tinha 58% e Haddad, 42%.

Pior ainda: as taxas de rejeição se inverteram. Hoje Haddad é mais rejeitado que Bolsonaro.

Segundo pesquisa Ibope feita logo antes do segundo turno, a rejeição a Bolsonaro era de 43%. Caiu para 35% o número de eleitores que não votariam nele de jeito nenhum.

E com Haddad foi o inverso. Na véspera do primeiro turno, tinha rejeição de 36%. Agora, é de 47%.

É devastador.

Assim como é devastador ouvir de um aliado, dentro de um evento de sua própria campanha, o que os petistas reunidos no Marina Park de Fortaleza:

“Pois tu vai perder a eleição. Não admitir os erros que cometeram é pra perder a eleição. E é bem feito. Pois vão, vão, vão e vão perder feio. Vão perder feio! Porque fizeram muita besteira, porque aparelharam as repartições públicas, porque acharam que eram donos de um país e o Brasil não aceita ter dono.”

Segundo o relato de Dimitrius Dantas, no site de O Globo, Cid Gomes, o irmão de Ciro, tinha sido convidado pelos organizadores do evento – que, é óbvio, esperavam palavras de apoio ao candidato Fernando Haddad, que precisa de todo apoio possível e impossível, imaginável e inimaginável.

E Cid Gomes até que começou calmo, e chegou mesmo a receber aplausos dos petistas presentes.

“Não cabe a mim cobrar mea culpa de ninguém. Eu conheço o Haddad, é uma boa pessoa, tenho zero problema de votar no Haddad.

Mas se quiser dar um exemplo pro país, tem que fazer um mea culpa, tem que pedir desculpas, tem que ter humildade e reconhecer que fizeram muita besteira.”

Parece que um militante protestou energicamente contra essa idéia maluca de fazer mea culpa, essa acusação – sem qualquer fundamento, segundo seu entendimento – de que o partido tenha feito besteira.

E foi aí que Cid Gomes mostrou que, definitivamente, quando o Criador distribuiu papas na língua, comedimento, cuidado na hora de falar, os irmãos Gomes não estavam presentes:

“É assim? É? Pois tu vai perder a eleição. Não admitir os erros que cometeram é pra perder a eleição. E é bem feito. Pois vão, vão, vão e vão perder feio. Vão perder feio! Porque fizeram muita besteira, porque aparelharam as repartições públicas, porque acharam que eram donos de um país e o Brasil não aceita ter dono.

Disse que “essas figuras que acham que são donos da verdade”  é que criaram Bolsonaro.

Aí, segundo o relato do repórter do Globo, parte da plateia começou a cantar gritos de ordem favoráveis ao ex-presidente Lula. Isso fez Cid Gomes ser ainda mais Cid Gomes:

“Lula o que? Lula está preso, babaca. O Lula está preso, o Lula está preso, e vai fazer o que? Deixa de ser babaca, rapaz, tu já perdeu a eleição.”

***

Dá para imaginar o clima entre os dirigentes petistas. Eu não duvidaria nada se companheiro que sugeriu a presença de Cid Gomes no ato do Marina Park fosse enviado imediatamente para uma temporada de uns dois anos na Venezuela. Ou quem sabe direto na Sibéria.

No seu blog no Uol, Josias de Souza definiu que o desabafo de Cid Gomes “perfura como prego em caixão”:

“Ao chutar o balde num ato pró-Fernando Haddad, no Ceará, o senador eleito Cid Gomes espalhou o cheiro de enxofre que emana dos subterrâneos da candidatura presidencial do PT. O miasma ficará no ar até o próximo dia 28, quando o eleitor voltará às urnas. O desabafo do irmão de Ciro Gomes foi perfurante como prego em caixão.”

E no seu blog no Estadão, meu amigo José Nêumanne sintetizou que Cid Gomes “virou inesperado porta-voz da parte da sociedade brasileira que não aguenta mais o PT e o culto à personalidade de Lula ajudando a explicar que não está havendo guinada à direita nem manifestação nazistóide do eleitorado, mas apenas um imenso e indignado cansaço”.

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“O PT colhe os frutos”

O principal editorial do Estadão desta terça-feira tem o sugestivo título de “A prepotência petista”.

O parágrafo final, especialmente, é um brilho:

“Por ter sistematicamente desrespeitado aqueles que não aceitaram sua busca por hegemonia, por ter jogado brasileiros contra brasileiros e por ter empobrecido a política por meio da corrupção e do populismo rasteiro, o PT colhe agora os frutos amargos – na forma de um repúdio generalizado ao partido em quase todo o País e da desmoralização de sua tentativa de vestir o figurino democrático, que nunca lhe caiu bem.”

16/10/2018

Dia nº 8 – Estamos virando um país de surdos intolerantes.

5 Comentários para “Crônica da eleição do horror (9)”

  1. Que bom que eu vim aqui ler você, Sergio Vaz. Muito bom, imperdível.
    Além da incompetência, Bolsonaro me dá medo por sua saúde abalada pela facada e pelo vice que vai eleger…
    Será que o Brasil merece isso?

    Pé de pato mangalô três vezes….

  2. Parece que a principal questão é o PT e os seus horrores e não o Bolsonaro.
    Talvez o Brasil esteja mesmo à beira do fim da democracia.
    Isto penso eu aqui de longe.

  3. “E foi aí que Cid Gomes mostrou que, definitivamente, quando o Criador distribuiu papas na língua, comedimento, cuidado na hora de falar, os irmãos Gomes não estavam presentes”. Ri alto!

    Confesso que vi o vídeo do Cid Gomes algumas vezes, e lavou minha alma. Ele falou quase tudo o que eu gostaria de falar pra um petista (Deus me livre de encontrar algum pela frente). E o mais engraçado, é que ele se exaltou por pouco. Só por que um cara fez gestos de “não”, que o PT não devia pedir desculpas. Nisso aí desatou a falar, e eu adorei! Pecou um pouco por ter chamado o cara de babaca, mas sabe-se lá o que o petista gritou pra ele; pelas imagens o militonto estava super exaltado, querendo partir pra briga.
    [Vi um vídeo de um pessoal de uma rádio famosa falando que o Cid falou de propósito, que foi “vingança”, porque o PT jogou sujo e fez com que Ciro perdesse no NE. Se é verdade ou não, não sei.]

    “Não sei por que me pediram pra falar antes, é pra fazer faz de conta? Eu faço faz de conta, eu faço faz de conta. Muito bem. Lula o quê? O Lula tá preso, babaca! O Lula tá preso. O Luula… tá preso, e vai fazer o quê? Babaaaca, babaaaca! Isso é… isso é o PT, e o PT desse jeito merece perder; pra rimar, só pra rimar.” (…) “Deixa de ser babaca, tu já perdeu a eleição, otário!”.

    Hahahahaha, óculos de thug life para Cid Gomes djá!

  4. Um pensamento que me ocorreu depois que fiz meu comentário, é que o PT é tão patife, que nem vai nos dar o gosto de ficarmos alegres com a derrota do seu candidato, pois será para o que de pior (ou quase) poderia haver como presidente. É como se falasse: “Vocês não vão votar em mim? Então toma!”. Canalhas, todos! Horror, nojo, desgosto.
    Infelizmente, nosso país é tão carente de figuras públicas de respeito, que duas das melhores falas deste ano (na minha opinião) vieram das bocas de personalidades que não são nenhum bom exemplo de nada (Barroso e Cid Gomes), mas “é o que temos pra hoje”.

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